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Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário de Viamão |
Trabalho
de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento
de História da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul como requisito parcial à obtenção
do grau de Bacharel em História.
Orientador: Prof. Dr. Fábio Kühn
- Porto Alegre - 2018
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Primeiramente
agradeço minha mãe, Maria Teresa, meu pai,
Florentino e meu irmão Rodrigo por serem exemplos
de força, fé e coragem. Pelo amor dedicado
e por sempre confiarem em mim em todos os momentos e situações
da minha vida. |
Agradeço ao professor Fábio Kühn
pela sua educação e gentileza. Pela paciência,
pelos ensinamentos, pelas palavras de incentivo, pela
seriedade no acompanhamento de cada etapa de escrita
desta pesquisa e por permitir que o trabalho fosse elaborado
da forma que eu achasse melhor.
Primeiramente agradeço minha mãe, Maria
Teresa, meu pai, Florentino e meu irmão Rodrigo
por serem exemplos de força, fé e coragem.
Pelo amor dedicado e por sempre confiarem em mim em
todos os momentos e situações da minha
vida.
Agradeço ao professor Fábio Kühn
pela sua educação e gentileza. Pela paciência,
pelos ensinamentos, pelas palavras de incentivo, pela
seriedade no acompanhamento de cada etapa de escrita
desta pesquisa e por permitir que o trabalho fosse elaborado
da forma que eu achasse melhor.
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A Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)
onde desenvolvo minhas atividades profissionais, representado
pelas chefias imediatas e pela reitoria, por não
criarem qualquer tipo de obstáculo para que eu
estudasse e pela compreensão nas eventuais ausências
que se fizeram necessárias por motivos estudantis.
Aos
colegas e professores do Curso de História da
Arte da UFRGS por oportunizarem umas das maiores e melhores
experiências de viagem que eu já tive.
Além de agregar conhecimentos, os momentos vivenciados
foram marcantes e transformadores.
Ao professor Mauro Dillmann pela ajuda e disponibilidade
desde a leitura do projeto do TCC e ao longo do desenvolvimento
do trabalho contribuindo com sugestões pertinentes
e indicações de leituras relacionadas
a pesquisa sempre de forma muito gentil.
A Vanessa Gomes de Campos por ter me dado a oportunidade
de realizar o estágio bacharelado na Cúria
Metropolitana. Sua ajuda foi fundamental na transcrição
de documentos e na disponibilização das
fontes. Seu conhecimento e competência foram muito
importantes na elaboração da pesquisa,
sem falar no seu apoio, encorajamento e amizade.
Aos funcionários da Comgrad, Cléber, Michelle
Selister e Michele Bonatto pela ajuda e prestatividade
nas resoluções dos assuntos acadêmicos
ao longo da graduação.
Aos colegas de curso que me acompanharam do primeiro
ao último semestre: Camila, Cláudia, Daniel,
Filipe, Iara, Júlio, Lucas, Rodrigo e Rosita.
Pelas conversas, risadas, companheirismo, apoio e entusiasmo.
Compartilhar experiências e conviver com vocês
durante esses anos já valeu a pena ter ingressado
na universidade. |
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A
irmandade do Rosário de Viamão era uma
organização religiosa de culto leigo
católico onde havia em sua grande maioria a
presença de escravos e libertos. Nesse sentido,
para esses negros e negras, as confrarias do Rosário
se tornaram lugares de vivências, experiências,
ajuda mútua e de solidariedade. Lugares onde
a população negra poderia gozar de certa
autonomia na condução dos rumos de suas
vidas dentro da rigidez da sociedade colonial de Antigo
Regime. Dentro dessa proposta é importante
salientar que nesse aspecto o tráfico de escravos
adquire um novo sentido não se restringido
apenas a operações comerciais. A transferência
compulsória de africanos para a América
Portuguesa permitiu, a partir desse contato, a formação
de novas identidades, recriação de culturas
e o desenvolvimento de novas sociedades. As irmandades
do Rosário foram um empreendimento de religiosidade
católica muito bem-sucedido.
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Ao longo do trabalho é possível identificar
diversas organizações espalhadas no
imenso território brasileiro onde há
perceptíveis aproximações e diferenças
com o sodalício gaúcho. Pelas fontes
utilizadas no estudo, a contabilidade era importante
para a Irmandade de Viamão alcançar
seus objetivos. Nesse aspecto, o saber contábil
aliado com o conhecimento histórico permitiram
conhecer a irmandade Rosário de Viamão
sob um outro olhar. As irmandades do Rosário
surgidas no período colonial foram perdendo
seu prestígio e importância ao longo
do século XX. Mesmo diminuindo em muito sua
autonomia, em alguns lugares, elas ainda se mantêm
em funcionamento e têm uma certa representatividade.
Um importante espaço de resistência.
Um dos objetivos desse trabalho é ressaltar
a importância da participação
negra na história. Dessa forma, enfatizar o
protagonismo das negras e negros na sociedade gaúcha
e brasileira, onde por muito tempo foram tratados
e retratados de forma subalterna.
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O
trabalho de conclusão de curso tem como tema
a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário sediada
em Viamão identificada como uma entidade religiosa
de perfil leigo no culto católico, onde participavam
um grande número de escravos e ex-escravos. Essa
confraria remonta ao período colonial brasileiro
e localizava-se no então Rio Grande de São
Pedro, como era conhecido o atual estado do Rio Grande
do Sul. O ingresso a uma irmandade significava um elevado
reconhecimento social para a elite colonial, mas não
só para esse segmento. |
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Nesse sentido, se tornou importante também
para a população negra a associação
nessas organizações como forma de visibilidade
social, status e inversão simbólica
da ordem.
A presença negra em espaços que tradicionalmente
não poderiam ser ocupados por esse grupo, no
caso das associações religiosas, naquele
período, revela que a posição
do negro na sociedade colonial adquire um novo significado.
Importante refletir para a questão de que essa
pesquisa analisará ações de sujeitos
voltados para a condução dos rumos de
suas vidas, escapando, na medida do possível,
dos quadros de ferro da sociedade colonial. Ou pelo
menos, situando-se em posição menos
desvantajosa.
A criação de irmandades eram empreendimentos
católicos, logo vale ressaltar que as conexões
estabelecidas no interior da congregação
são inicialmente relações sociais
pautadas por certa experiência religiosa. Em
se tratando de uma pesquisa que pretende destacar
a participação da população
negra em determinada associação religiosa,
num contexto de escravidão, o conceito do tráfico
de escravos adquire outro sentido, além do
regime de servidão e da restrição
da liberdade, fatores que não devem ser desprezados.
Nessa perspectiva, a importação de cativos
propiciou o contato entre negros africanos a partir
da interação neste novo território.
Entendido dessa forma, houve condições
para a criação de espaços de
sociabilidade esolidariedade para esses escravos.
De maneira que a criação de Irmandades
do Rosário pode ser considerada como uma nova
forma de recriação, mediação
cultural e ressignificação de práticas.
Essas irmandades surgidas no período colonial
continuaram suas atividades ao longo dos séculos
XIX e XX. Atualmente, mesmo perdendo seu prestígio,
algumas ainda possuem certa importância social
onde se localizam.
Para desenvolver o trabalho, serão analisados
os seguintes documentos: Compromisso da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário de Viamão,
Livro de Entrada de Irmãos, Livro de Despesas
e Livro de Receitas e Despesas. Através desse
conjunto documental, é possível verificar
o funcionamento da irmandade, a composição
dos seus membros, a origem desses integrantes, o objetivo
social da confraria e as relações sociais
resultantes dessa interação. Os documentos
pesquisados estão escritos na língua
portuguesa do século XVIII os quais possuem
diferenças ortográficas e gramaticais.
Em razão disso, para melhor leitura, os trechos
referentes as fontes, ao longo do trabalho foram transcritos
para o português contemporâneo.
O objeto da pesquisa propõe analisar pouco
mais de trinta anos de existência da entidade
desde a criação do Livro de Compromisso
em 1756 até 1790, cinco anos após a
aprovação de seu estatuto por parte
das autoridades régias em 1785. O fato de haver
um longo interstício para a confirmação
legal das atividades da irmandade não impediu
que o exercício de suas funções
fosse prejudicado, fato comprovado pela documentação
existente abrangendo esse período. A dinâmica
colonial permitia que as decisões dos habitantes
locais sobre a manutenção e organização
das atividades políticas, econômicas
e sociais não dependessem necessariamente da
autorização do Império Português.
O trabalho está dividido em três partes.
O primeiro capítulo trata de uma breve revisão
historiográfica sobre o tema, contextualizando
o surgimento da devoção do Rosário
ao longo das possessões portuguesas. No segundo
capítulo é realizado um estudo comparado
entre a Irmandade do Rosário de Viamão
e outras espalhadas ao longo do território
brasileiro no que se refere a estrutura de organização
e composição dos membros. Por fim, no
terceiro capítulo, é analisada a irmandade
através da contabilidade produzida pela confraria
como forma de controle para atingir seus objetivos.
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HISTORIOGRAFIA
SOBRE AS IRMANDADES DO ROSÁRIO
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2.1
Origem das irmandades e do culto
a Nossa Senhora do Rosário
As irmandades e ordens terceiras têm suas origens
na Europa medieval. Elas foram criadas pela necessidade
de amparo assistencial e espiritual à população,
não realizada pelos governos locais. As associações
religiosas eram de três tipos: santas casas,
ordens terceiras e irmandades1. Essas instituições
se caracterizavam pelo perfil leigo de organização.
Na Península Ibérica as primeiras associações
desse tipo datam do século XI. “No século
XV, existiam nas cidades da Espanha e de Portugal
irmandades católicas que contavam, entre seus
membros, com negros trazidos da África como
escravos, além de brancos de origem ibérica
(RUSSELL-WOOD, 2005, p. 191).”
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O
culto a Nossa Senhora do Rosário foi iniciado
por Domingos de Gusmão no combate as heresias
e aos cultos pagãos frente a fé católica
na Europa Ocidental por volta de 1214.
A partir de então, a devoção
do Rosário permaneceu ativa por quase um século
quando foi caindo no esquecimento. A devoção
foi restabelecida especialmente quando em 1475 na
Alemanha foi fundada a primeira irmandade do Rosário².
“O rosário tornou-se um símbolo
da ortodoxia doutrinária católica e
era tido como a principal arma contra as dissidências
heréticas (GRIGIO, 2016, p. 38).” O renascimento
do culto ao Rosário ficou marcado pela vitória
cristã frente aos turcos otomanos, no Mar Mediterrâneo,
que ficou conhecida como a Batalha de Lepanto em 1571.
O triunfo nesse conflito foi creditado a intervenção
de Nossa Senhora do Rosário junto aos combatentes
cristãos cuja importância foi determinante
para a vitória.
Nesse sentido, a força espiritual creditada
a Virgem do Rosário devido a evocação
contra os hereges teve papel fundamental na difusão
dessa liturgia fora da Europa como uma demonstração
de superioridade da fé católica. As
irmandades do Rosário instaladas nas possessões
ultramarinas portuguesas gozaram de prestígio
entre a população negra, segundo alguns
autores, devido a experiência com a escravidão.
Esses lugares serviram como ambientes de ajuda mútua,
conquista de direitos, entre eles a possibilidade
da liberdade, além de espaços em que
se poderia alcançar, dentro das possibilidades
impostas numa sociedade de Antigo Regime, certa capacidade
de autonomia na gestão dos rumos de suas vidas.
Acrescenta-se o fato de que a iconografia de Nossa
Senhora do Rosário é retratada como
uma mulher de pele branca. Pelos motivos elencados,
talvez a atração ao culto do Rosário
seja tão forte entre escravos e libertos. “Outros
santos tornaram-se invocação dos negros
não apenas pela afinidade epidérmica
ou pela identidade de origem geográfica, mas
também pela identidade com suas agruras (BOSCHI,
1986, p. 25-26).” Apesar de existirem santos
também cultuados pelos cativos, Nossa Senhora
do Rosário, sem dúvida, foi a veneração
mais popular.
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A
devoção do rosário, fortalecida
durante a ameaça da Reforma Protestante, passou
a ser também uma das principais invocações
no processo de conquista, colonização
e conversão dos gentios das terras além-mar.
Ultrapassou os muros dos conventos e igrejas dominicanas
e passou a ser divulgada por outras ordens religiosas
missionárias, especialmente pelos jesuítas
(GRIGIO, 2016, p. 46).
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As
santas casas eram reservadas às elites e realizavam
caridade externa através da manutenção
de hospitais, asilos, orfanatos, cemitérios
e empréstimos financeiros. As ordens terceiras
tinham atribuições semelhantes, porém
eram ligadas às ordens franciscana, dominicana
ou carmelita. As irmandades, por sua vez, são
remanescentes das corporações de artes
e ofícios da Europa na Baixa Idade Média,
surgidas ente os séculos XII e XV. OLIVEIRA;
SOGBOSSI, 2008, p. 53. Segundo o Código de
Direito Canônico, “as associações
de fieis que tenham sido eretas para exercer alguma
obra de piedade ou caridade se denominam pias uniões,
as quais, se estão constituídas em organismos,
se chamam irmandades”. BOSCHI, 1986, p.15.
2
“Rosário” significa
coroa de rosas. Luis Monfort justificou que a própria
Virgem aprovou esse nome, revelando a várias
pessoas que cada vez que se rezava uma ave-maria lhe
era entregue uma rosa e por cada rosário completo
lhe era entregue uma coroa de rosas. (MONFORT, 2000
apud GRIGIO, 2016, p. 39).
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³Além
de Nossa Senhora do Rosário, havia as seguintes
devoções entre escravos e libertos:
Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora
das Mercês, Nossa Senhora dos Remédios,
Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora da Boa Morte,
Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora do Livramento,
Nossa Senhora de Guadalupe, São Gonçalo
Garcia, São Benedito, Santo Rei Baltazar, Santa
Efigênia, Santo Elesbão, Santo Antônio
de Categeró ou Catagerona. KARASH, Mary, 2010,
p. 263-265.
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2.2
Irmandades do Rosário em Portugal
Em
Portugal a primeira irmandade do Rosário surgiu
em Lisboa no final do século XV. Inicialmente,
a confraria foi formada somente por irmãos brancos,
sendo permitida aos negros uma participação
junto ao altar. Devido a divergências internas,
foi criada a Irmandade do Rosário dos Homens
Pretos por volta de 1520 cujo primeiro compromisso aprovado
foi em 1565.
Para Tinhorão (2012), o surgimento de confrarias
do Rosário de negros em terras lusitanas foi
devido ao fato de que elas ocuparam um espaço
social permitido pela Coroa Portuguesa cuja responsabilidade
principal estava voltada para as práticas políticas
e econômicas. |
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Nesse entendimento, as irmandades se ocupariam das
questões assistenciais.
Devido à grande presença de africanos,
o governo português estabeleceu uma série
de concessões favoráveis aos negros
para participarem da confraria como forma de justificar
uma escravidão menos violenta. Em contrapartida,
por parte da Igreja Católica, era um modo de
legitimar o tráfico humano com a justificativa
do auxílio espiritual a esses escravos dentro
do proselitismo do culto católico. Para o autor,
a criação das irmandades do Rosário
atendeu ao interesse de ambas as partes.
Tinhorão não ressalta a participação
e a importância dos negros e negras nessas irmandades,
embora ele se refira a um esquecimento da presença
dessa parcela da sociedade por parte dos portugueses.
As confrarias não são vistas como espaço
de resistência e sociabilidade para os africanos
e seus descendentes. A existência dessas organizações
só foi possível pelo atendimento de
interesses concessivos das autoridades. Não
é valorizada a autonomia que as irmandades
do Rosário tiveram e que, em algumas vezes,
escapavam ao controle do poder régio e católico.
Lucilene Reginaldo (2005) traça um panorama
mais completo sobre a criação das irmandades
do Rosário em Portugal. Para a historiadora,
a presença negra nesse país se origina
a partir da exploração da costa africana
onde milhares de escravos desembarcaram em solo português
à medida que o comércio de africanos
se estabelecia no ocidente. Somado a isso, havia os
interesses expansionistas da fé católica
nos novos povos conquistados. Lisboa não era
só a maior das cidades, mas também a
maior das concentrações de escravos
de todo o Reino. Segundo Saunders (1982 apud REGINALDO,
2005), “um recenseamento das paróquias
da cidade, realizado nos anos de 1551-52, permite
concluir que Lisboa possuía uma população
de 9.950 escravos, isto é, 9,95% ou digamos
que 10% da população total da cidade.”
A presença negra em Portugal sempre foi expressiva
desde o século XVI também em outras
regiões do país.
Segundo
a referida autora o surgimento de confrarias de negros
estava ligado ao crescimento dessa população
e a importância que este tipo de associação
foi adquirindo entre os africanos e seus descendentes
no Reino português. Onde havia uma presença
negra significativa era propício para a criação
de irmandades do Rosário. A maioria das irmandades
de negros e do restante do país era dedicada
à Nossa Senhora do Rosário. A historiadora
ao contrário de Tinhorão valoriza aspectos
relacionados a vivência da população
negra em terras lusitanas. A partir do contato entre
esses africanos, as Irmandades do Rosário.
A maioria das irmandades de negros e do restante do
país era dedicada à Nossa Senhora do
Rosário.
A historiadora ao contrário de Tinhorão
valoriza aspectos relacionados a vivência da
população negra em terras lusitanas.
A partir do contato entre esses africanos, as Irmandades
do Rosário se tornaram um canal para a defesa
de interesses no sentido de almejar benefícios
para a população escrava e liberta.
Entre
as reivindicações desse grupo estavam
a alforria e o não envio de cativos para outras
regiões do território ultramarino português.
Nesse aspecto, Lucilene Reginaldo sugere que a identificação
dos escravos com o culto de Nossa Senhora do Rosário
se deve a essa prerrogativa de proteção
e ajuda mútua das populações
negras espalhadas pelo Império Português.
Dessa forma, a autora destaca essa parcela social
como agentes ativos dentro dessas instituições.
Os dois historiadores concordam que há um silenciamento
da historiografia a respeito da população
africana em Portugal no que se refere aos desdobramentos
do tráfico de escravos e em relação
a participação desse contingente na
formação da história portuguesa.
Pelo
exposto até aqui é inegável a
presença negra na sociedade portuguesa. A abordagem
de várias questões relativas a escravidão
brasileira está inserida num contexto que já
vem sendo empreendido pelos historiadores brasileiros.
Dessa maneira, os portugueses ainda precisam enfrentar
um tema sensível que precisa ser apresentado
e discutido com mais coragem.
|
O
volume, bem como as vias de abastecimento do tráfico
de escravos em Portugal e Península Ibérica
em geral, são ainda pouco conhecidos. Na verdade,
isto reflete um grande silencio no que diz respeito
ao tema da escravidão, tratado pela historiografia
portuguesa ‘quase na surdina’ (REGINALDO,
2005, p. 45).
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2.3
Irmandades do Rosário na África
A
conquista e a exploração da costa africana
pelos portugueses foram motivadas por motivos comerciais
e econômicos como também estava acompanhada
por interesses religiosos. Nos primeiros contatos entre
lusos e africanos a imposição da fé
católica se fez presente. “O maior interesse
destes esforços era, no entanto, a propagação
da mensagem cristã e da cultura da Europa, de
modo que tal empresa era, antes de tudo, um ato de força
(SIMÃO, 2010, p, 37).” Ou seja, a conquista
de novos territórios e a religião estavam
intimamente relacionadas. Desde fins do século
XV a Coroa Portuguesa estabeleceu contatos na região
do Congo. Devido a esse fator, já se iniciou
a propagação da fé cristã
entre os africanos.
Como em Portugal, na África também o processo
de criação das Irmandades do Rosário
se estabeleceu, inicialmente, exclusivamente para a
população branca. “Embora continuasse
cara aos brancos, no decorrer do século XVII
e XVIII, o Rosário foi se constituindo numa devoção
preferencialmente de negros, ainda em terras africanas.” |
Ao que parece, a apropriação por partes
dos negros na devoção do Rosário
ampliou os limites inicialmente planejados por parte
de Portugal e da Igreja Católica no sentido
de que os africanos acabaram assumindo uma posição
de destaque nesse aspecto religioso.
Para Maristela Simão (2010), isso pode ser
explicado devido ao fato de que a aceitação
do cristianismo não significou de modo algum,
o abandono das antigas crenças e dos costumes
tradicionais africanos.
De modo que, segundo a autora, houve uma ressignificação
de práticas religiosas tanto na África
como na América. Nesse sentido, os escravos
que foram levados ao Brasil já estariam habituados
com as práticas religiosas realizadas nas Irmandades
do Rosário africanas. Para a historiadora,
estas confrarias seriam locais de organização
e adaptação a uma nova sociedade encontrada
no Novo Mundo, a partir da submissão a conversão
do cristianismo.
Ambas as estudiosas concordam que as Irmandades africanas
do Rosário servem para a compreensão
de questões políticas, sociais e culturais
dos reinos africanos. Nesse entendimento, houve uma
reinterpretação de símbolos e
práticas religiosas, no que Lucilene Reginaldo
identifica como um cristianismo africano. Ou seja,
as Irmandades do Rosário seriam promotoras
de elaboração e divulgação
de concepções cristãs africanizadas.
De acordo com a bibliografia consultada, segue uma
relação das Irmandades do Rosário
fundadas na África.
As relações entre África e Brasil
são fundamentais para a compreensão
de questões encontradas no período colonial
brasileiro. O tema Irmandades do Rosário ainda
é pouco explorado quando se fala na presença
dessas confrarias em solo africano. Nesse aspecto,
novas pesquisas podem revelar outras abordagens no
que se refere de que modo essas organizações
influenciaram as congêneres aqui no Brasil.
Também é importante no que diz respeito
a formação da sociedade brasileira.
Nesse sentido a escravidão de africanos possibilitou
a formação de novas sociedades e de
novas culturas quando chegaram ao Brasil. Nessa perspectiva,
o olhar sobre a escravidão adquire um caráter
mais amplo, não só pautada por fatores
econômicos. Temas ligados à África
não podem ser desconsiderados quando se pretende
compreender a realidade brasileira.
|
Lucilene
Reginaldo relata que o contato entre portugueses e
africanos se intensificou a partir de 1485 com a expedição
de Diogo Cão. O fidalgo navegador estava encarregado
de estabelecer relações amigáveis
com os principais daquelas terras, garantido desse
modo, futuros e rentáveis negócios para
o comércio de Portugal.
Desde os primeiros contatos entre portugueses e africanos,
a religião foi um dos principais mediadores
nesse diálogo. A pequena mostra do poderio
tecnológico dos recém-chegados, somadas
as promessas de uma associação vantajosa
em termos políticos e econômicos, avalizaram,
de imediato, a religião trazida pelos brancos.
Enquanto que para a Coroa Portuguesa interessava a
expansão da fé católica e o consequente
domínio cultural e político da região,
para os soberanos do Congo, um clero africano garantia
acesso direto aos novos ritos e símbolos cristãos,
independente da intermediação dos portugueses,
com objetivo de submeter politicamente outros povos
da região. A partir daí podemos dizer
que já houve um movimento inicial de uma africanização
de rituais cristãos. REGINALDO, 2005, especialmente
o capítulo A Conversão do Congo.
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2.4
Irmandades do Rosário e religiosidade
no Brasil Colonial
O
aparecimento de Irmandades do Rosário em território
brasileiro se deu logo após o descobrimento do
Brasil.
A
religiosidade no Brasil colonial foi influenciada pelo
Regime do Padroado. Essa associação entre
Estado e Igreja permitiu que se praticasse um modo particular
de exercício de fé que ficou conhecido
na historiografia como catolicismo barroco ou popular.
Esse catolicismo à moda brasileira permitiu que
os santos tivessem um papel importante nesse tipo de
manifestação religiosa. |
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“O
santo é o elemento nuclear do catolicismo popular
tendo presença ativa e atuante na vida dos
fiéis. Seja nos oratórios domésticos
ou capelas, é o amigo dos momentos de aflição
ao qual os fiéis buscam agradar para ter seus
pedidos atendidos.
(OLIVEIRA; SOGBOSSI, 2008, p. 52).” Ademais,
importante salientar que devido ao Padroado Régio,
a Igreja teve suas ações limitadas no
que se refere a organização e atuação
no sentido de executora das questões de evangelização,
o que ficou a cargo das irmandades religiosas.
Uma das primeiras obras escritas sobre Irmandades
do Rosário foi realizada por Julita Scarano
(1975). São analisadas as confrarias localizadas
no Distrito Diamantino, nas Minas Gerais no século
XVIII. A autora afirma que estudar as Irmandades do
Rosário é uma forma de conhecer a escravidão
no Brasil, sobretudo o que nela representou a Igreja.
Não é dado o devido destaque a atuação
da população de origem africana nesses
espaços. A historiadora considera que essas
irmandades seriam um lugar onde menos se mantinha
tradições africanas no qual os negros
se integraram na religião católica,
esquecendo a de seus ancestrais. O destaque que é
mencionado por Scarano por parte da população
negra nessas associações fica restrita
as atividades artísticas e musicais. Dessa
forma, a participação de escravos e
libertos fica prejudicada no que se refere ao protagonismo
que esse contingente obteve.
Caio César Boschi (1986) não analisa
especificamente as Irmandades do Rosário. No
seu estudo, o autor avalia a situação
de diversas confrarias instaladas nas Minas Gerais
no século XVIII. Com profundo viés marxista
sobre a pesquisa das irmandades mineiras, o estudioso
se preocupa com a relação destas com
as macroestruturas do poder que eram a Igreja e a
Coroa Portuguesa. Nesse sentido, para Boschi, as irmandades
foram espaços criados para submeter e amoldar
a população escrava e liberta num padrão
social dos brancos. Os sodalícios não
foram ambientes capazes de formar uma consciência
de classe para a população negra no
sentido de se oporem a escravidão e para a
conquista de direitos sociais. As irmandades dos homens
de cor foram implementadas pelo Estado e a Igreja
como lugares que aparentemente garantiriam uma igualdade
social.Os autores consideram que somente participando
de Irmandades do Rosário, a população
de origem africana poderia se perceber como seres
humanos. As pesquisas não dão conta
que essa vivência possibilitou aos escravos
e libertos se posicionarem numa situação
mais favorável em outros segmentos da sociedade
colonial.
|
(6)A
ideia de um catolicismo africano foi formulada pelo
historiador John Thornton. THORNTON, JOHN. A África
e os africanos na formação do mundo
atlântico (1400 – 1800). Rio de Janeiro:
Ed. Campus, 2004.
7Existiram duas irmandades dedicadas ao Rosário.
Já em 1552, missionários jesuítas
haviam estabelecido confrarias dedicadas a Nossa Senhora
do Rosário para os novos africanos convertidos
em Pernambuco. Na década de 1570, o rei de
Portugal decretou que os dízimos coletados
das igrejas dos africanos fossem usados para as suas
próprias igrejas e irmandades e um visitante
jesuíta no Brasil, em 1586, ordenou oficialmente
que as irmandades do Rosário fossem criadas
para índios e negros. Os jesuítas também
levaram essas irmandades para São Vicente no
sul, Salvador e Recife (KARASCH, 2010, p. 259).
|
 |
2.5
Breve historiografia sobre
Irmandades do Rosário no Brasil
A
partir dos anos 2000, as produções acadêmicas
sobre o tema Irmandades do Rosário partem do
pressuposto nos indivíduos. Um trabalho de
referência sobre confrarias do Rosário
é de Mariza Soares (2000). Embora a autora
não aborde especificamente as Irmandades do
Rosário, a historiadora faz um resgate do comércio
de escravos na África no que se refere ao relacionamento
do tráfico com as diferentes regiões
da costa africana. Os diferentes grupos de procedência
de cativos que chegaram a colônia brasileira
foram os fundadores de irmandades religiosas de pretos.
É destacado que a partir do contato com outros
africanos, nas irmandades, houve uma ressignificação
de culturas. A dinâmica do tráfico proporcionou
que esses grupos de procedência pudessem se
identificar e a partir desse contato, partilharem
experiências de modo que a vivência em
solo brasileiro produzisse um novo sentido.
|
Nesse aspecto, é valorizada a capacidade de
autonomia desses africanos escravizados em busca de
apoio mútuo para suportar a situação
vivida pela rigidez da sociedade colonial.
Para
Russel-Wood (2005), a criação de irmandades
no Brasil foi uma reação por parte de
escravos e libertos no aspecto religioso e social
onde nem a Igreja, o poder político e os senhores
de escravos se responsabilizavam por essa parcela
da sociedade fora do âmbito das relações
de trabalho. Dessa forma, as irmandades leigas ocuparam
esse espaço onde as autoridades oficiais não
conseguiram atuar de forma abrangente e satisfatória.
O autor ressalta que essas associações
não tinham a intenção de subverter
a lógica escravista. Porém, algumas
dessas entidades pediram equiparação
de direitos a Coroa Portuguesa em relação
as irmandades mais ricas e exclusivamente de brancos,
tendo seus pleitos atendidos no que se referem à
forma de exercício da religiosidade e quanto
à estrutura administrativa. O historiador relata
que a relevância das irmandades de origem africana
permanece até os dias de hoje, mesmo sofrendo
mudanças estruturais em suas organizações,
com algumas delas ainda ocupando posição
de respeito nas cidades e vilas do Brasil.
No trabalho sobre a Irmandade do Rosário de
Cuiabá, Cristiane Silva (2001) analisa a questão
da territorialidade advinda através da construção
da igreja do Rosário como forma de poder para
escravos e libertos. Nesse aspecto, a estudiosa afirma
que a partir da garantia de um espaço fixo
para o culto do Rosário, se estabeleceu em
Cuiabá uma rede em torno dessa devoção
em que se estabeleceram microterritórios onde
se difundiu essa religiosidade oportunizando aos negros
e negras a possibilidade de ascensão social.
O caráter estratégico na localização
da igreja do Rosário foi fundamental para dar
visibilidade e representatividade a essa parcela no
seio da sociedade colonial. Mostra o poder de mobilização
e atuação desses negros na região
centro-oeste do país.
Seguindo esse entendimento, há os trabalhos
de Karla Rascke (2009 e 2012) onde a preocupação
da pesquisadora é com a vida dos sujeitos,
nesse caso escravos e descendentes, e como eles atuavam
na cidade de Florianópolis. Os integrantes
do Rosário exerciam atividades profissionais
importantes para o desenvolvimento da cidade onde
havia uma concentração dessa população
negra em diversas regiões. Nesse sentido, os
trabalhos de Rascke dialogam com o de Cristiane Silva
no que se referem a questão da territorialidade.
Escravos e libertos eram presenças marcantes
na paisagem da ilha de Santa Catarina. A irmandade
do Rosário catarinense foi um espaço
de sociabilidade e solidariedade relevante para essa
população quando
analisado no período pós-abolição
onde as irmandades perderam muito de sua
autonomia.
Menciona-se os poucos trabalhos sobre Irmandades do
Rosário na região norte do Brasil. No
desenvolvimento da presente pesquisa, foi encontrado
somente um artigo de Márcio Henrique (2009)
sobre Irmandades do Rosário no estado do Pará.
A escassez de estudos sobre o tema denota a pouca
produção acadêmica acerca da escravidão
africana nessa parte do país10. A população
negra é relevante na região norte do
país o que leva a pensar que existiram outras
Irmandades do Rosário na região amazônica.
A partir dos anos 2000 houve um interesse maior no
estudo sobre Irmandades do Rosário o que se
reflete no aumento da produção acadêmica
sobre o tema. Além disso, é importante
destacar, que atualmente há uma tendência
em analisar a referida confraria sob o ponto de vista
das “conexões atlânticas”
envolvidas quando se considera a importância
da África e de Portugal nesse contexto.
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2.6
Irmandades do Rosário no Rio Grande do Sul
Fábio Kühn (2010) analisa as irmandades
leigas localizadas em Viamão no século
XVIII, entre elas a Irmandade do Rosário. O historiador
faz uma breve descrição da confraria dos
homens de cor segundo as fontes encontradas e cita a
existência de outras Irmandades do Rosário
no Rio Grande do Sul sem pesquisas realizadas.
Liane Müller (2013) aborda a formação
de uma classe média negra formada a partir de
integrantes que faziam parte da Irmandade do Rosário
de Porto Alegre no final do século XIX e início
do século XX. A partir da formação
de clubes e sociedades de negros, no período
do pós-abolição, uma parcela da
população negra possuía uma experiência
associativa prévia adquirida na Irmandade do
Rosário pelos membros fundadores dessas novas
formas de organização. Importante ressaltar
a continuidade do trabalho desenvolvido na irmandade.
Desde a fundação em 1786 até os
meados do século XX a presença dessa instituição
foi de fundamental importância para os negros
porto-alegrenses. Mesmo a irmandade perdendo o prestígio
no final do século XIX, as bases para integração
da vida em sociedade e a busca da ascensão
social foram estabelecidas muito tempo antes. O trabalho
de Müller mostra a inserção do negro
dentro da sociedade gaúcha e sua contribuição
para a história do Rio Grande do Sul.
Dentro dessa perspectiva de continuidade histórica,
mesmo não abordando especificamente a Irmandade
do Rosário, o artigo de Fernanda Silva (2011),
mostra a formação de clubes para negros
na cidade de Pelotas.
|
|
Porém, a autora considera que o novo formato
associativo derivado das irmandades leigas, para os
negros da cidade se transformou num ambiente com aspirações
políticas e de luta contra o racismo.
Nesse sentido, a formação de clubes
e sociedades para a população negra
tinha a pretensão de dar empoderamento a essa
parcela social com vistas a garantir melhores condições
de vida e combater o preconceito.
O trabalho de Ênio Grigio (2016) relata a experiência
dos irmãos e irmãs do Rosário
na cidade de Santa Maria nos séculos XIX e
XX num contexto de imigração alemã.
A confraria chegou a ter suas atividades encerradas
e voltou a atuar posteriormente. O autor relata o
ambiente hostil provocado pela sociedade santa-mariense,
incluindo uma parte do clero local, contra a existência
da irmandade. Houve várias tentativas de impedir
a organização da população
afrodescendente nesse tipo de agremiação.
Após a romanização do catolicismo11,
a luta da irmandade, além de garantir a continuidade
das suas atividades era enfrentar o racismo. Um importante
espaço de resistência.
Os artigos de Charão (2004) e de Moreira e
Mugge (2015) abordam a existência da Irmandade
do Rosário em São Leopoldo também
inserida no contexto da imigração alemã
no século XIX. É bastante relevante
a relação entre imigração
e Irmandades do Rosário, pois os alemães
que chegaram ao Rio Grande do Sul também fizeram
o uso da posse de escravos.
Faltam pesquisas que aprofundem essa questão
na cidade do Vale dos Sinos sobre o significou para
essa população negra uma irmandade de
homens de cor num ambiente de colonização
germânica.
Em Porto Alegre, além do trabalho de Liane
Müller já mencionado, Mara do Nascimento
(2006) analisa a formação étnica
e a realização das festas do Rosário.
Nesse sentido, o trabalho de Suélen Reis (2015)
busca compreender o funcionamento da irmandade através
das celebrações religiosas.
A partir de informações coletadas de
alguns autores são relacionadas as datas de
criação das Irmandades do Rosário
gaúchas.
|
O
Padroado Real constituía-se na supremacia do
poder régio sobre os assuntos religiosos. As
ações, as crenças e a devoção
de todos os fieis eram assuntos circunscritos à
vontade Real. Seguindo à risca uma tradição
que se iniciara ao longo do século XV e XVI
os reis de Portugal, por meio da Ordem de Cristo,
criada por D. Dinis no século XIV, tornaram-se
verdadeiros mentores e reguladores da vida religiosa
em todas as suas possessões territoriais, tanto
no Reino, como em suas colônias americanas e
africanas. NASCIMENTO, 2006, p. 36. Como resultado
constitui-se uma organização eclesiástica
muito dependente das autoridades civis, o que, entre
outros fatores, explica o peculiar processo de cristianização
a que a população foi submetida. No
Brasil, a situação não se alterou
com a independência, pois o Padroado foi mantido
até a Proclamação da República
em 1889. NEVES, Guilherme Pereira. In: VAINFAS, Ronaldo.
Dicionário do Brasil Colonial (1500 –
1808). Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.
9Riolando Azzi nos apresenta as características
principais desse catolicismo: luso-brasileiro, leigo,
medieval, social e familiar. Luso-brasileiro, porque
traz consigo o gosto pelas procissões, romarias,
a festa em torno dos santos, a crença no milagre
divino. Leigo, pois diretamente ligado ao “monarca”
que detinha o poder de escolha dos seus membros, característica
fundamental de uma religião que, ao vincular
o poder máximo de estruturação
de sua hierarquia à figura do rei de Portugal,
permitiu o surgimento de confrarias como em nenhum
outro território colonizado, fruto da iniciativa
de pessoas leigas. Social pois as festividades populares
para os santos agilizavam o ritmo lento e monótono
da localidade, além da introdução
de novas devoções no Brasil. Familiar
pois a religiosidade manifestou-se de forma ampla
nos oratórios e nas capelinhas construídas
no interior das fazendas, algumas com capelão
próprio a serviço da família.
AZZI, Riolando. Elementos para a história do
catolicismo no Brasil. Revista Eclesiástica
Brasileira, v. 36, 1976, p. 96. Eduardo Hoornaert
denominou a religiosidade criada no Brasil de “cristianismo
moreno”, pois esse assumiria um caráter
mestiço, de adaptação às
outras culturas não europeias, pagãs,
com as quais manteve contato. Uma postura devocional
diferenciada que, segundo o estudioso, “amorenou”
o cristianismo brasileiro. HOORNAERT, Eduardo. Formação
do catolicismo brasileiro, 1550-1800. Petrópolis:
Vozes, 1978.
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2.7
Contexto histórico da Freguesia de Viamão
no século XVIII
O início da ocupação da região
de Viamão se iniciou por volta de 1730 seguindo
um primeiro fluxo migratório de famílias
oriundas de Laguna/SC. Através da escritura
pública feita na vila de Laguna em 26 de abril
de 1741, Francisco Carvalho da Cunha fazia doação
e dote a uma capela, que novamente erigia com a invocação
de Nossa Senhora da Conceição, sita
nos Campos de Viamão, que consistiu em uma
légua de terras, além de setenta animais
vacuns e cavalares, avaliados conjuntamente em quantia
superior a 100 mil réis (KÜHN, 2006, p.
376).
|
 |
Nesse
contexto, em 1747 é criada a Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição de Viamão.
Importante salientar a diferença entre Campos
de Viamão e a Freguesia de Viamão.
A partir desse momento a localidade passou a um rápido
crescimento populacional entre fins de 1740 e começo
de 1750. A partir desse período a região
recebeu uma segunda onda migratória de imigrantes
açorianos que inicialmente iriam ocupar a região
das missões a fim de garantir aposse daquele
território para Portugal, mas devido à
instabilidade política, muitos deles acabaram
se fixando em Viamão. Nesse período,
com base no rol de confessados, Fábio Kühn
aponta que em menos de uma década o número
de habitantes aumentou de quase 800 moradores em 1751
para 1.116 em 1756, acompanhado pelo aumento do número
de propriedades no mesmo período de 132 para
1871.
A disputa pelas definições das fronteiras
no sul do continente americano ocasionou em 1763 a
invasão espanhola no Continente de São
Pedro. A vila de Rio Grande então sede da capitania
foi invadida pelos castelhanos. O que seria a metade
sul do Rio Grande do Sul ficou controlada pelos espanhóis.
Devido a isso, ocorreu a transferência da Câmara
daquela localidade para Viamão “que acabou
recebendo inclusive o governo luso e a provedoria
da Fazenda, além de outras instituições
oficiais (GIL, 2009, p. 76).”
|
Nesse
momento ocorreu uma terceira onda migratória
derivada desses refugiados. Por quase uma década,
a freguesia de Viamão se tornou a “capital”
do Continente de São Pedro e abrigou a elite
política e econômica gaúcha. Tiago
Gil define muito bem o contexto social da freguesia
de Viamão.
O investimento do governo luso em estabelecer Porto
Alegre como sede da capitania, o que ocorreu em 1773,
Viamão lentamente começou a entrar em
decadência.
“Acabava, assim, a fase em que o modesto arraial
havia se tornado o epicentro das possessões
portuguesas na América Meridional, sede dos
diversos poderes, sem nunca ter sido, no entanto,
uma vila (KÜHN, 2006, p. 126).” As famílias
mais influentes acabaram migrando para outras regiões.
A freguesia de Viamão tornou-se a partir de
1778 “uma sociedade ruralizada onde existem
alguns poucos grandes estancieiros e uma maioria de
lavradores e pequenos criadores de gado (KÜHN,
2006, 129).”
Nessa perspectiva social, desde o início da
criação da freguesia, Viamão
apresentava uma população de origem
africana expressiva. De acordo com Márcio Munhoz
nos anos de 1751 e 1756 o percentual de cativos africanos
na região era em torno de 43% do total da população.
O uso damão de obra escrava não apenas
esteve presente na região como foi uma característica
da sua economia.
Com uma população negra relevante, tinham-se
as condições ideais para o surgimento
de uma Irmandade do Rosário em 1751, cujo livro
de compromisso foi criado em 1756.
Mesmo após a perda da centralidade ocupada
por Viamão devido a fixação da
nova capital, com a mudança dos principais
membros da elite, aliado a um perceptível declínio
de moradores, a população de origem
africana continuou marcando forte presença
na freguesia.
Segundo Fábio Kühn, em 1778 o número
de escravizados africanos ficava em torno de 40,5%
do total da população.
Diante desses fatos, é importante relativizar
sobre a presença africana em solo gaúcho.
O início da colonização do atual
Rio Grande do Sul sempre teve a participação
da população negra como construtores
da história desse estado. Estudar as Irmandades
do Rosário é uma das formas de compreender
alguns aspectos da sociedade colonial gaúcha
e perceber o que essa forma associativa representou
para os negros e negras que aqui se fixaram. A presençanegra
era numerosa e com importante destaque para a formação
da sociedade sul riograndense desde seu início.
Pela quantidade relevante de Irmandades do Rosário
em solo gaúcho, o tema tem potencial para mais
pesquisas. Pode-se perceber que as confrarias gaúchas
estão situadas na metade sul do estado. A participação
africana nas zonas de fronteira foi importante para
a
formação do que é a configuração
atual do Rio Grande do Sul. A historicidade gaúcha
não pode ser compreendida sem ressaltar a importância
da população de origem negra.
|
3
IRMANDADES DO ROSÁRIO EM
PERSPECTIVA COMPARADA |
O
presente capítulo se propõe a fazer uma
análise comparada tomando por base a Irmandade
do Rosário de Viamão com outras confrarias
localizadas em diferentes regiões brasileiras.
Desse modo, o estudo se baseará nos dados contidos
no termo de compromisso e
no livro de entrada de irmãos.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Viamão
teve seu compromisso criado em 1756, sendo aprovado
pelas autoridades régias em 1785. A data do termo
de compromisso não significa necessariamente
o início das práticas que ocorriam nesse
local. É conhecido através da historiografia,
que essas associações exerciam suas atividades
antes de firmar o documento de criação
oficial.
O livro é dividido em 30 capítulos contendo
as regras de funcionamento da confraria.
É descrita a estrutura administrativa, como a
disposição e a função dos
cargos, os prérequisitos para ocupá-los,
a eleição da mesa administrativa e quem
poderia participar.
O livro de entrada de irmãos contém informações
que revelam o nome do ingressante e sua condição
(escravo, liberto ou possivelmente branco). Em alguns
casos é possível identificar a origem
étnica dos irmãos que eram escravos. |
|
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3.1
Quanto à composição dos irmãos
A
Irmandade do Rosário de Viamão era aberta
a homens e mulheres, escravos e libertos, pretos e
brancos. Não havia restrições
quanto ao ingresso dos irmãos de modo que “nesta
Irmandade haverá aquele número de irmãos
assim pretos como brancos, ou de qualquer outra qualidade,
que seja constando viverem debaixo do Grêmio
da Igreja19.”
Essa situação é semelhante a
encontrada na Irmandade do Rosário de Desterro,
atual Florianópolis. Conforme Mortari (2000,
p.65), “o regulamento determinava que toda pessoa
de ambos os sexos poderia fazer parte dela, desde
que pagasse a sua entrada e seus anuais.” A
mesma situação também é
demonstrada no caso de São João Del
Rei, Segundo Souza (2010, p. 93), as Irmandades do
Rosário em Minas Gerais abriram um leque maior
de aceitação.
Nessas, eram aceitos irmãos tanto escravos
quanto livres, nascidos no Brasil, ou estrangeiros
de várias etnias.”
|
Consultado
o livro de entrada de irmãos, foram coletados
dados para a composição do grupo, segundo
o sexo, a condição jurídica e
a origem, no período de 1773 a 179020.
Pelas informações contidas na tabela
1, 46,57%dos irmãos eram escravizados e de
libertos era de 14,76% no período analisado.
Juntos a composição de africanos e seus
descendentes somavam 61,33%.
Esses dados da freguesia de Viamão estão
de acordo com a realidade vivida em outras localidades
da presença majoritária dessa parcela
da sociedade na Irmandade do Rosário. Destaque-se
a forte presença feminina na irmandade. Sem
considerar a condição jurídica,
as mulheres representavam 43,76% dos irmãos
do Rosário. Um valor expressivo considerando
que a participação de mulheres em outras
irmandades era restrita, quando não, proibida.
Esse fator, também está de acordo com
os estudos que apontam as Irmandades do Rosário
mais tolerantes quanto à presença feminina.
Como mostra a histografia sobre as Irmandades do Rosário,
em relação a outras irmandades leigas
consideradas exclusivistas, eram mais tolerantes quanto
a forma de ingresso de irmãos. Pode ser inferido
que esse seja um dos motivos da sua atuação
bemsucedida em território brasileiro.
No estudo sobre a Irmandade do Rosário de Taubaté,
Ribeiro (2010, p. 80) cita o caso de uma escrava que
foi registrada como agregada. Segundo a autora, “na
ausência de um dado específico, não
podemos afirmar se a irmã exercera os cargos
na posição de escrava ou agregada.”
Na
região de São João Del Rei havia
o registro de irmãos coartados22. Em Cuiabá
há a presença de irmãos administrados23.
Nesse caso específico há a presença
de indígenas nessa irmandade. “Em 1770,
ingressou na Irmandade do Rosário, Maria da
Silva, administrada do capitão Joaquim Lopes
Poupino (SILVA, 2001, p. 121).”
Essas particularidades descritas, não constam
nos registros da Irmandade de Viamão.
As informações constantes não
fazem referência a essas especificidades em
relação a situação dos
escravizados. A identificação encontrada
no livro de entrada de irmãos somente nos informa
sobre a condição jurídica de
escravo. O tratamento a respeito do tráfico
de escravos nas diferentes regiões da colônia
revela situações heterogêneas.
Na região do Vale do Paraíba paulista
pelo fato de ser uma área ruralizada onde as
atividades econômicas estavam ligadas à
terra, se desenvolveu formas de escravidão
peculiares. Na região das Minas Gerais, onde
predominava a atividade mineradora, fez com que o
relacionamento com os escravos tivesse uma forma mais
negociada no que se refere as alforrias. Na região
centro-oeste devido a significativa presença
indígena, encontrou-se uma forma camuflada
no âmbito político de exercer a escravidão
indígena que naquele momento era proibida.
Haviam formas diferentes de escravidão. Cada
região brasileira adaptou essa situação
de acordo com as realidades locais. Da mesma forma
que o processo de ocupação do território
brasileiro não se deu de forma unificada e
homogênea, a escravidão africana ou indígena
assumiu diversas modalidades e nuances. Não
foi possível identificar nos registros a presença
de índios entre os irmãos do Rosário
de Viamão.
Na Irmandade do Rosário de Viamão há
pouca participação de etnias ou nações
de origem africanas entre os irmãos. “Em
1780 se assentou por irmão desta Irmandade
Jacinto de nação mina, escravo de Antônio
Jose da Cunha24.” Além dos “minas”,
havia na irmandade outra etnia, porém a integrante
não era escrava. “Em 1778 se assentou
por irmã desta Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário Maria Pereira de Nação
Banguella preta forra25.”
Essa participação não foi majoritária.
Nesse aspecto não é possível
verificar possíveis disputas inter-étnicas
entre os membros. Até o limite dessa pesquisa
não se verificou conflitos entre africanos
e crioulos no sentido da disputa dos cargos de maior
influência. Ao que parece na confraria de Viamão
a convivência entre os diferentes irmãos
tendeu a ser mais harmoniosa. Para comprovar esse
dado, será demonstrada a participação
de etnias ou grupos entre os escravos do Rosário
no período de 1773 a 1790
Na Irmandade do Rosário de São João
de Del Rei havia a presença de várias
nações ou etnias africanas. Conforme
Brügger e Oliveira (2007, p. 184-185), “os
escrivães responsáveis pelos assentos,
quando faziam menção à origem
dos cativos e libertos procedentes da África,
utilizavam frequentemente as denominações
‘mina’, ‘angola’, ‘congo’,
‘benguela’, entre outras.” Nessa
localidade, a maioria dos registros tem a nação
Benguela como maioria, seguida por Angolas e Minas.
Também se verifica a presença de grupos
minoritários da região da África
Ocidental e Centro-Ocidental.
Embora
se observe que em geral as Irmandades do Rosário
mineiras fossem tolerantes quanto ao ingresso de irmãos,
havia disputas entre as diferentes nações
para o controle dos cargos administrativos da confraria.
Conforme Brügger e Oliveira “os grupos
dominantes ou mais organizados tinham condições
de controlar o maior número de cargos. ”O
trabalho dos autores mostra as estratégias
do grupo benguela, como parte majoritária da
Irmandade do Rosário para garantir a influência
e a manutenção da identidade dessa nação.
No
caso de Pernambuco também se nota que não
havia objeções quanto a participação
de irmãos das mais variadas origens. “Mas,
o que podemos notar através da análise
dos Compromissos dessas Irmandades, é que havia
uma hegemonia hierárquica dos pretos crioulos
e angolas, sobre os ‘nacionais’ de outras
procedências (CHITUNDA, 2014, p. 84).”
Ainda nesse sentido, nas Irmandades do Rosário
estudadas de Pernambuco há expresso nos termos
de compromisso quais as nações africanas
poderiam fazer parte da confraria. Essa característica
também é observada na Bahia e no Rio
de Janeiro. No caso de Viamão não há
indicação expressa de reserva de cargos
para determinadas etnias e nem a previsão de
ocupação para crioulos ou africanos,
conforme observado nas Irmandades do Rosário
da Capitania de Pernambuco do século XVIII,
onde “o juiz era central na Mesa Diretora da
Irmandade e este devia ser preto e forro (CHITUNDA,
2014, p. 92).”
Como
foi mencionado anteriormente, o número de integrantes
registrados por nações era muito pequeno
e, talvez por isso fez com que não houvesse
esse tipo de disputa pelo controle administrativo
da Irmandade gaúcha.
Segundo
Lucilene Reginaldo, na Bahia este fenômeno de
privilégio étnico, não se tratava
da exclusão de outros grupos, mas da garantia
de privilégios, sobretudo na definição
dos cargos mais importantes. A autora em sua pesquisa
mostra a aliança entre o grupo angola e os
crioulos nas Irmandades do Rosário baianas.
Joceneide dos Santos (2011), em artigo sobre as confrarias
congêneres em Sergipe, duas Irmandades do Rosário
daquela região, angolas e ethiopinos poderiam
ocupar cargos administrativos.
Há
poucos estudos sobre a procedência dos escravos
no Rio Grande do Sul no século XVIII em comparação
com estudos feitos nesse sentido em Minas Gerais,
Bahia e Rio de Janeiro. Nesse aspecto, o trabalho
de Gabriel Berute (2006) sobre a dinâmica do
tráfico de escravos em solo gaúcho entre
o final do século XVIII e início do
XIX vem preencher essa lacuna. Dessa forma, a origem
dos escravos na Irmandade de Viamão como também
para o restante do Rio Grande de São Pedro
é um tema que pode render mais pesquisas.
Os
estudos mais recentes tendem a enfatizar a questão
de alianças entre determinados grupos para
o controle das Irmandades do Rosário. É
o caso do trabalho de Lucilene Reginaldo onde mostra
a aliança entre o grupo angola e crioulos.
Por outro lado, estudos demonstram que havia disputa
entre irmandades diferentes de pretos, entre pretos
e pardos ou entre pretos e crioulos. Um exemplo é
o trabalho de Claudia Mortari onde é mostrado
o conflito entre a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
de Desterro e a Irmandade de Nossa Senhora do Parto27.
Nesse sentido, por haver nações majoritárias
que assumiram o controle dos sodalícios do
Rosário, alguns grupos de pretos resolveram
fundar outras irmandades para terem seus grupos representados
e por consequência preservarem sua identidade.
O trabalho de Mariza Soares mostra o grupo maki como
protagonista da Irmandade de Santa Ifigênia
e Santo Elesbão.
Ainda em relação ao ingresso de irmãos,
há pesquisas que revelam que alguns irmãos
do Rosário integravam ordens militares de pretos
e pardos.
Em
Cuiabá no ano de 1770 “ingressa na Irmandade
do Rosário, Julião Ribeiro dos Santos,
preto, forro que em 1769 é nomeado Alferes
da Nova Companhia de Ordenanças dos Homens
Pretos (SILVA, 2001, p. 114).
O
Rio Grande de São Pedro por ser uma área
de fronteira e de constantes disputas territoriais,
era possível que pretos e pardos tenham sido
recrutados para a formação de exércitos
nessa porção do território sul
americano. O estudo de Gabriel Aladrén (2012).
demonstra
a participação de africanos e descendentes
nas guerras luso-espanholas na defesa dos limites
do território do Rio Grande do Sul no final
do século XVIII e na Guerra Cisplatina no início
do século XIX. Porém, na referida pesquisa
não é mencionado sobre a criação
específica de corporações de
homens de cor no Rio Grande de São Pedro. Da
mesma forma, não há registros se alguns
desses homens fizeram parte de Irmandades do Rosário.
No livro de entrada de irmãos de Viamão
consta a presença de capitães e alferes
entre os associados, mas não está expressa
a condição jurídica desses confrades.
Ao que parece corporações militares
e irmandades do Rosário tem relações
bem próximas.
Esse tema por não ser objeto do presente trabalho,
fica como sugestão para futuras pesquisas.
Também é preciso considerar a possibilidade
da presença de religiosos pretos ou pardos
nas Irmandades do Rosário, apesar do requisito
da “limpeza de sangue” 30. Trabalhos mostram
que realmente alguns negros integraram o clero católico.
Segundo Lucilene
Reginaldo (2005, p. 209-210) “este fenômeno
pode ser exemplificado através das histórias
de vida do candidato ao sacerdócio, Domingos
Lemos Gonçalves e do padre André Couto.”
Nos registros pertencentes a Irmandade do Rosário
de Viamão, há a presença de clérigos
entre os irmãos, em 1784 “se assentou
por irmão desta Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário, o Reverendo Vigário João
Diniz Alvares de Lima32”. Arlindo Rubert (1994)
faz um registro das origens do culto católico
em território sul rio grandense iniciado com
a criação das missões jesuíticas,
até a criação das diversas paróquias
no Rio Grande do Sul no período colonial, entre
elas a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição
de Viamão no ano de 1747.
O autor cita a atuação de vários
párocos, contudo não há informações
sobre uma possível ascendência africana
desses religiosos33. A possível presença
de negros nos quadros da igreja católica no
Rio Grande do Sul pode ser alvo de maiores investigações
|
3.2
Quanto à disposição dos cargos
Os cargos dispostos no termo de compromisso da Irmandade
do Rosário de Viamão são: Juiz,
Escrivão, Tesoureiro e Procurador34. Há
referência aos cargos de mordomo e de andador35.
Esses cargos, no entanto, não contêm maiores
detalhamentos sobre as funções dentro
do Livro de Compromisso. Com referência a participação
feminina consta a presença de uma irmã
juíza e também de doze irmãs de
mesa.
O ofício de Juiz é o mais importante dentro
da Irmandade. Seria como o administrador da confraria,
“porque a ele pertence procurar com todo cuidado,
que os Irmãos não faltem as suas obrigações
persuadindo os a que assistam com muita diligência
todos ao serviço da Mãe Santíssima.”
|
|
Além disso, cabe a ele o zelo pelos bens da
irmandade, cobranças aos devedores e tratamento
aos móveis.
*As
funções de Escrivão e Tesoureiro
serão tratadas com mais detalhes no capítulo
4.
Na
Irmandade do Rosário de Viamão o escrivão
era o segundo cargo mais importante. Na falta do juiz,
o escrivão assumia a responsabilidade38. O
cargo de tesoureiro deveria ser ocupado por um irmão
branco.
A atribuição do Procurador é
zelar para que os irmãos não faltem
as obrigações, fazer com que os irmãos
paguem suas esmolas, se houver pleitos assistirá
a eles, além de ajudar no trabalho da Igreja
nas armações dos dias festivos.
O cargo de mordomo não recebeu um capítulo
específico para suas atribuições.
Conforme Russel-Wood (2005, p. 208) os mordomos e
mordomas, “eram escolhidos todo ano, em termos
ad hominem ou ad mulierem, e tinham deveres específicos,
como preparar a igreja da irmandade para as festas,
visitar os doentes ou levar comida para irmãos
presos.”
Os andadores tinham função, conforme
Ribeiro (2010, p. 100), “de suma importância
e responsabilidade para o escravo, pois lhe era delegado
o papel de circular pela cidade e arraiais, convocando
os irmãos a participarem das celebrações.”
Segundo Chitunda (2014, p.
109) em Olinda, os andadores também eram responsáveis
pelas cobranças aos que deviam à
Irmandade.
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3.3
Especificidades encontradas
A
disposição dos principais cargos era
padrão para as Irmandades do Rosário.
Devido às peculiaridades regionais, em algumas
confrarias ao longo do território brasileiro
apresentam cargos que não constam no compromisso
da irmandade de Nossa Senhora do Rosário de
Viamão.
Na Irmandade do Rosário de Viamão, se
verifica a presença feminina nos quadros da
entidade, mas alguns cargos não são
reservados especificamente às mulheres. Nas
Irmandades do Rosário Pernambuco além
dos cargos listados anteriormente serem comuns a Irmandade
gaúcha havia a presença de uma “Escrivã
de Mesa.” O cargo de escrivão de modo
geral era restrito a homens brancos letrados. Portanto,
chama atenção essa peculiaridade nos
documentos das confrarias nessa parte do Brasil.
Nas Irmandades do Rosário baianas constavam
os cargos de consultor. Os consultores prestavam assistência
a assuntos pertinentes a administração
da confraria. Segundo RussellWood (2005, p. 208),
“os consultores eram convocados para avaliar
qualquer política defendida pela mesa, caso
se temesse que pudesse ser prejudicial aos interesses
da entidade.”
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Em
algumas regiões brasileiras, houve uma mudança
de cargos. A Irmandade do Rosário da Vila Nova
Real de El Rei, preocupada com a realização
da festa anual da padroeira, instituiu, ano de 1800,
um juizado especial. Além do juiz presidente
da mesa e da juíza ordinária, a irmandade
elegia também um Juiz de Coroa e uma Juíza
de Coroa. Os irmãos pretos do Rosário
de Itabira, Minas Gerais, também criaram a
figura do Juiz Coroado.
Uma característica marcante encontrada nas
Irmandades da capitania de Goiás era o fato
de que em algumas localidades entre “seus membros,
entretanto, absolutamente não aceitavam brancos,
nem para os cargos de escrivão e tesoureiro43
[...] (MORAES, 2012, p. 83)”
Dentre a bibliografia estudada para esse trabalho,
nessa região brasileira encontram-se Irmandades
do Rosário exclusivas de homens pretos, destoando
da prática em relação ao restante
do Brasil onde era permitida a presença de
brancos inclusive mantendo a exclusividade da cor
em alguns cargos.
Na região de Taubaté, houve um incremento
de cargos a partir do surgimento do “juiz de
promessa, juíza de ramalhete, juíza
de promessa, e ainda: rainha de promessas, capitão
do mastro, alferes de bandeira. (RIBEIRO, 2010, p.
78). Infere-se nesse caso, um possível aumento
no ingresso de irmãos. Devido a esse fator
é possível que houvesse disputas internas
para o controle administrativo da irmandade e uma
forma de resolver a questão era a criação
de novos cargos segundo a autora.
No compromisso da Irmandade do Rosário de Cuiabá
consta os cargos de Juiz ou Juíza de Devoção
e o cargo de Protetor. Cristiane Silva em seu trabalho
sobre a respectiva confraria não fornece maiores
detalhes sobre as funções exercidas
pelos Juízes e Juízas de Devoção.
Sabe-se que esses cargos deveriam ser ocupados por
brancos. Sobre o Protetor também não
há informações suficientes sobre
suas atribuições, porém deveria
ser ocupado por um irmão branco. Sabe-se que
em teoria muitos cargos que seriam de atribuições
exclusivas de homens brancos em muitos casos acabaram
sendo ocupados por homens pretos.
Para a mesma irmandade existia a presença de
um provedor. Embora esse cargo não conste no
compromisso da irmandade de Cuiabá, segundo
Silva, “no caso eram pessoas geralmente brancas,
com algum poder aquisitivo de auxiliar a irmandade
em momentos de carência.” Há registros
de que alguns párocos também foram provedores
da Irmandade do Rosário como por exemplo, “o
reverendo Rodrigo Manoel da Almeida em 1816 (SILVA,
2001, p. 70)”. Essa particularidade até
o momento de alcance da atual pesquisa não
encontra paralelo na Irmandade de Viamão. Infere-se
que embora não haja uma designação
para esse tipo de função, pessoas influentes
da freguesia de Viamão deveriam contribuir
com valores relevantes para a irmandade.
Em algumas Irmandades do Rosário havia certas
particularidades a respeito de alguns cargos. Em Olinda,
o cargo de andador era remunerado. “Por este
trabalho tão caro à Irmandade, recebiam
cerca de 1/3 do arrecadado em esmolas, importante
estímulo para se empenhar mais no petitório
(CHITUNDA, 2014, p. 109).”
Entretanto
em Olinda, a Irmandade do Rosário intercedeu
no sentido de alforriar um irmão45. Os trabalhos
conhecidos a respeito desse tópico, mostram
o esforço das confrarias no sentido de ajudar
individualmente os irmãos cativos do Rosário
para alcançar a liberdade. Até onde
seconhece a mobilização da irmandade
atuando como um corpo unificado em prol da alforria
é um caso particular nos estudos das Irmandades
do Rosário.
Devido às peculiaridades regionais, não
é difícil imaginar que o dia de realização
da festa do Rosário acontecia em dias diferentes.
Segundo Grigio (2016, p. 45) “em 1573, Gregório
XIII mudou o nome da festa de Nossa Senhora da Vitória
para Nossa Senhora do Rosário e transferiu
o dia de sua celebração (do dia 07)
para o primeiro domingo de outubro46.” De acordo
com o compromisso da Irmandade do Rosário de
Viamão, “celebração a Festa
da Virgem Santíssima do Rosário no dia
26 de dezembro de cada ano conforme a disposição
da Mesa47[...].”
A seguir, uma comparação entre os dias
de realização da festa em algumas Irmandades
do Rosário.
As
diferentes datas em que aconteciam a festa do Rosário
mostram o nível de autonomia alcançado
por essas organizações, visto que elas
estabeleciam a confraternização máxima
da irmandade de acordo com melhor período do
ano adaptado ao contexto social
onde estavam inseridas.
Atente-se ao fato de que apesar de haver um regramento
oficial por parte da Igreja Católica que estabelecia
uma data fixa para a celebração de Nossa
Senhora do Rosário, a atuação
da igreja no Brasil se deu de forma fragmentada, onde
a fiscalização eclesiástica era
insuficiente e não se estendia a todo o território
brasileiro. Esse é um dos motivos pelos quais
as irmandades foram responsáveis por assumir
a liturgia católica de forma mais flexível
O
capítulo mostrou que embora os compromissos
das irmandades brasileiras adotassem uma estrutura
padrão, muitas delas tinham aspectos específicos
que as diferenciavam uma das outras. Disputas internas,
realidades geográficas, contexto econômico,
diversidade social fizeram com as irmandades do Rosário
fossem maleáveis no que se referem as suas
formas de organização interna. Algumas
modificações visavam tornar o processo
de reconhecimento dessas confrarias de forma mais
rápida perante aos órgãos régios
e eclesiásticos. Dessa forma, também
o tratamento das autoridades variava conforme o caso.
Estudar as Irmandades do Rosário é perceber
que durante o período colonial brasileiro as
relações e estruturas sociais, em alguns
momentos, eram fluidas. O estudo desses sodalícios
possibilita conhecer diferentes realidades locais
através de determinadas especificidades. As
confrarias mostram as diversas fases da colonização,
que não se processou de maneira uniforme. Embora
houvesse uma rígida hierarquia social, permissões
e proibições eram relativas quando nos
referimos às posições ocupadas
por escravos e libertos na sociedade colonial, conforme
demonstrado entre os vários irmãos do
Rosário.
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4
IRMANDADE DO ROSÁRIO DE VIAMÃO ANALISADA
SOB ASPECTOS CONTÁBEIS |
O
capítulo tem por finalidade analisar a Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário de Viamão
através dos números produzidos pela confraria.
Esses números mostram a irmandade sob o ângulo
financeiro e através dessa perspectiva, entender
um pouco mais sobre a estrutura interna do sodalício.
Para tanto, serão pesquisados o livro de despesas,
o livro de receitas e despesas e também algumas
informações relevantes do livro termo
de compromisso.
A Irmandade do Rosário de Viamão, assim
como suas congêneres espalhadas em todo o Brasil
tinham como principais objetivos ajudar os irmãos
em dificuldades financeiras, proporcionar um enterro
digno e, na medida do possível, alforriar os
irmãos escravizados. Além disso, realizar
a festa para Nossa Senhora do Rosário era um
item indispensável e de suma importância
na vida dessas irmandades. |
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4.1
Principais receitas
Para
realizar todas as atividades previstas, era preciso
ter dinheiro para que a organização
pudesse atingir seus intentos de maneira satisfatória.
Nesse sentido, as confrarias obtinham rendas das mais
variadas formas.
a) Valores de entrada e anuais: para ingressar em
uma Irmandade do Rosário era necessário,
dependendo do cargo assumido, pagar um valor quando
do ingresso no sodalício (esmola) e mais um
valor a ser pago anualmente. Alguns cargos como o
de tesoureiro, por conta da sua grande responsabilidade,
ficavam isentos de pagamento anuais. Conforme livro
de compromisso da Irmandade do Rosário de Viamão,
“o Tesoureiro e Procurador, e andador não
darão coisa alguma pelo trabalho, que se considera
ter em suas ocupações, salvo sua devoção
o quiserem dar [...].”
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A
Irmandade de Viamão apresenta os seguintes
valores de entrada a partir de informação
extraída do livro termo de compromisso.
b) Coleta de esmolas: uma das fontes de receita era
a manutenção de uma caixinha dentro
das igrejas onde as pessoas poderiam fazer uma contribuição
de qualquer valor. Na Irmandade de Viamão é
registrado como receita “dita da caixinha.”
Havia esmolas recolhidas na porta da igreja. Em algumas
irmandades havia membros que realizavam esse trabalho
como no caso de Porto Alegre onde “participavam
do peditório o Rei e a Rainha da Irmandade
(MÜLLER, 2013, p. 73).” Essa receita é
apontada como “esmolas tiradas a porta da igreja”
na Irmandade de Viamão. Infere-se que na confraria
de Viamão essa atribuição era
uma das funções do Rei e da Rainha.
Ao longo do ano, alguns irmãos do Rosário
eram destacados para pedirem esmolas na vizinhança
com o intuito de aumentar a receita da confraria.
Segundo Russel Wood (2005, p.211), “uma cláusula
dos estatutos tratava do procedimento a ser seguido
para a coleta de donativos pelas ruas nos domingos
e dias santos.” Ressalte-se nesse caso, a importância
do cargo de andador nas Irmandades do Rosário.
c) Doações de bens: era muito comum,
as irmandades receberem bens em doação
por parte dos irmãos. Os testamentos de irmãos
do Rosário, principalmente escravos e libertos,
destinavam terrenos, casas e outros bens materiais
a Irmandade. É o caso da irmã “Rita
Maria da Conceição preta forra que deu
de esmola uns chãos que possui na rua da Praia
da Freguesiade Porto Alegre no valor de trinta e dois
mil réis em 1781.” Deixar como legado
um patrimônio pessoal para a Irmandade do Rosário
significava retribuir o apreço daquelas pessoas
que puderam ter a possibilidade de uma vida mais digna.
Além
disso, a destinação de bens era a garantia
de que esse patrimônio fosse protegido e servisse
para o benefício das futuras gerações.
Desse modo a assistência aos irmãos seriamantida.
d) Recebimento de alugueis: havia residências
de posse da Irmandade do Rosário localizadas
em torno da igreja cujo aluguel revertia para a confraria.
Ao longo da década de oitenta do século
XVIII, esse tipo de receita era comum na Irmandade
do Rosário de Viamão.
No ano de 1783, por exemplo, a confraria recebeu “pelo
que renderam de alugueis as casas de Nossa Senhora
[...] no valor de 13$680 reis57.” Essas casas
abrigavam pessoas devotas de Nossa Senhora do Rosário.
De certo modo, esse tipo de rendimento fazia parte
das funções da confraria em proporcionar
e facilitar a integração à sociedade,
principalmente à comunidade negra. O recebimento
de aluguel de bens da Irmandade do Rosário
também era possível que podiam ser móveis
e semoventes. No ano de 1782 foi recebido o valor
de $640 réis que deu Antônia Maria de
um banco que se tinha emprestado. Já no ano
de 1785 o valor de 8$000 réis se refere a importância
de duas mulas que estavam a cargo do Irmão
Bento dos Paços.
e) Empréstimos de dinheiro: em algumas confrarias
havia a possibilidade de emprestar dinheiro a juros
como visto no capítulo 2. Essa prerrogativa
era muito peculiar e específica de determinadas
regiões brasileiras. Sem dúvida, um
modo que visava o aumento de receita da irmandade
dentro de uma realidade econômica local. Esse
tipo de rendimento não foi localizado na Irmandade
de Viamão.
f) Acompanhamento em procissões: era muito
comum a presença da Irmandade do Rosário
em cerimônias de outras confrarias. Porém,
para que isso fosse possível era cobrado um
aluguel. Segundo Müller (2013, p. 73), a Irmandade
de Porto Alegre “criou uma tabela para acompanhar
enterros que não fossem seus, cobrando de 4
a 6 mil e 400 réis.” A participação
da Irmandade do Rosário em outras procissões
era motivo de elevado reconhecimento social. Além
disso, era um sinal de que essa participação
garantia um brilhantismo maior nos eventos de outras
coirmãs. Verifica-se a quantia recebida pela
Irmandade de Viamão de 4$000 réis pelo
acompanhamento da Irmandade no enterro do falecido
Claudio Guterres que pagou Domingues Borges no ano
de 1785. Pelo fato de não constar a palavra
irmão, infere-se que o falecido não
pertencia a Irmandade do Rosário o que justifica
o pagamento desse aluguel.
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4.2
Principais despesas
Da mesma forma que era possível identificar as
principais fontes de receita das Irmandades do Rosário,
também nesse aspecto é possível
destacar as principais despesas realizadas por essas
associações.
a) Festa para a Senhora do Rosário: o dia da
festa era uma das motivações da Irmandade.
A realização anual dos festejos era um
acontecimento que mobilizava todos os irmãos
e era um evento organizado com pompa, luxo e requinte.
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A festa do padroeiro era a principal atividade das
irmandades. “Era o momento mais notável,
de maior mobilização e visibilidade
pública dos confrades.
Nas
ocasiões festivas, as confrarias negras tinham
a oportunidade de marcar um lugar de distinção
na sociedade colonial (REGINALDO, 2005, p. 113).”
Sem dúvida, o maior gasto era relacionado a
esse fator. Realizar uma festa em homenagem a Nossa
Senhora do Rosário era um evento social da
localidade. Participavam um expressivo número
de pessoas desde as mais simples até as mais
influentes e significava o poder de organização
da população escrava e liberta. Nesse
sentido, o esplendor da festa muitas vezes buscava
alcançar o mesmo brilho das festas das irmandades
pertencentes a elite branca.
b) Pagamento de Missas e Sermões: era um item
que também apresentava um valor expressivo
no conjunto de gastos da irmandade. As missas eram
rezadas em memórias dos irmãos falecidos,
em outros momentos ao longo do ano e também
no dia da festa a Nossa Senhora do Rosário.
Em Viamão para cada missa ao capelão
“se lhe dará esmola quatrocentos e oitenta
réis.
”. Verificando o livro de despesas da referida
irmandade no período de 1755 a 1768, em média
o valor desembolsado por missa era de 3$200 réis
e o valor do sermão, 12$800 réis.
Eram duas atividades que certamente exigiam o uso
da palavra. Percebe-se que o sermão representa
um gasto elevado em comparação às
missas. A despesa com missa era um quarto do valor
do sermão. “A importância da pregação
na mentalidade e na cultura brasileira aparece aqui
em toda a sua evidência: a palavra do pregador
possui uma eficácia tal que é capaz
de manifestar seus efeitos concretos ao longo de muito
tempo (MASSIMI, 2005, p. 420).”
Conforme Zanon (2009, p. 99-100) a missa “tornou-se
um meio para orientar os fiéis no caminho de
uma espiritualidade mais profunda. Ou seja, uma oração
interior que valorizasse o contato íntimo da
consciência dos fieis com Deus [...].”
O objetivo do sermão segundo Massimi (2005,
p. 423) “não deve ser mostrar a erudição
do pregador, mas exortar os ouvintes à conversão
das almas e à reforma das condutas.”
A missa tinha um caráter mais evangelizador
dando enfoque a transmissão da liturgia católica
de forma mais íntima e pessoal através
da participação dos fiéis não
somente nas celebrações nos domingos
e nos dias santos. O sermão tinha claramente
um conteúdo moralizador. O intuito era através
do ensino religioso moldar as vidas dos indivíduos
na sociedade seguindo padrões rígidos
de comportamento e conduta. Os sermões pressupunham
uma preparação especializada sendo que
o pregador deveria ter uma boa formação.
Infere-se nesse caso o porquê do elevado custo
do sermão.
Os escravos e libertos, sendo maioria nessas irmandades,
não sabiam ler e escrever, a palavra falada
adquiria um fator primordial na transmissão
da liturgia católica numa sociedade iletrada
onde a “pregação era o meio de
colocar o habitante da região em contato com
o resto do mundo (SCARANO, 1975, p. 76).” Como
organizações de culto leigo católico,
as confrarias possuíam a autonomia de contratar
párocos que seriam os responsáveis pela
instrução da fé católica,
como se verifica na Irmandade do Rosário de
Viamão. “Haverá nesta Irmandade
um Capelão que será eleito a vontade
do Juiz, e mais oficiais somente, e sempre farão
escolha daquele Sacerdote [...]63.” Pergunta-se
como seria estabelecido um valor para algo difícil
de mensurar que era o uso da palavra de uma missa
ou sermão? Ou então, era o valor que
a irmandade poderia pagar?
c) Despesas com Música: em algumas irmandades
a música tinha um papel destacado. Na festa
de Nossa Senhora do Rosário na região
de São João Del Rei, “quanto maior
o seu requinte, maior o espetáculo e, sem dúvida
alguma, a música tinha seu papel fundamental
(SOUZA, 2010, p. 36).” Isso não era diferente
na Irmandade do Rosário de Viamão onde
esses gastos eram recorrentes. No período de
1755 a 1768, a média de gastos com
música foi de 6$184 réis. A música
tinha um papel relevante dentro da Irmandade de Viamão.
A musicalidade pode ser entendida como uma herança
africana que foi introduzida e adaptada nas confrarias
do Rosário. “Após a procissão
que se encerrava na Igreja, quando os membros da Irmandade
deveriam voltar para as casas, outros tipos de manifestação
tomavam corpo, envolvendo cantos, danças e
uso de instrumentos percussivos. Eram os batuques
(CHITUNDA, 2014, p. 167, grifo do autor).” O
uso da música significava a preservação
de elementos rituais e culturais africanos.
Foi referido anteriormente que um dos objetivos das
confrarias do Rosário era a realização
da assistência aos irmãos em dificuldades
financeiras. De maneira que no livro de receitas e
despesas não há informações
a esse respeito. Também como já mencionado
anteriormente, a alforria de algum irmão escravo
era algo presente dentro do escopo da Irmandade do
Rosário de Viamão. A movimentação
financeira da associação não
traz nenhum desembolso referente a esses dois itens.
A seguir são mostrados os valores arrecadados
e desembolsados pela Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário de Viamão no período
de 1781 a 1790.
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4.3
O que significam os valores acumulados
pela Irmandade do Rosário de Viamão
Pela
análise dos dados citados o saldo acumulado
em comparação ao ano de 1781 em relação
a 1790 aumentou 212% um pouco mais que o triplo do
início da década de 1780.
Durante o período, não houve diminuição
do saldo, pelo contrário a acumulação
foi crescente.
Nota-se que com exceção dos anos de
1782 e 1790 houve um constante aumento de receita
da irmandade. Havia a preocupação com
a obtenção de rendas. A despesa no período
embora tenha momentos de elevação nos
gastos se manteve constante durante a década.
Excetuandose os anos de 1781 e 1782, a despesa se
manteve dentro de um certo equilíbrio. Isso
mostra a capacidade administrativa e financeira da
irmandade. Seria necessário pesquisar períodos
posteriores aos analisados para verificar de que forma
o dinheiro acumulado foi investido.
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Essa
investigação sobre os gastos futuros da
Irmandade do Rosário de Viamão fica como
indicativo para investigações.
Para compreender melhor o que estas cifras significavam
em 1790, tem-se como comparação alguns
bens arrolados em um inventário post-mortem66.
Por exemplo, era possível comprar três
escravos “de nação Benguela”
que foi avaliado por 102$400 réis; 250 novilhos
cuja avaliação foi de 1$280 réis;
28 oratórios ao preço de 12$800 réis;
108 cavalos avaliados a 3$000 réis; 875 ovelhas
avaliadas $400 réis e 38 tachos de cobre com
peso de uma arroba a 9$600 réis.
Esses números dão suporte a vários
aspectos referentes a organização da irmandade
do Rosário de Viamão. Desse modo, parece
claro que a confraria tinha financiadores que contribuíam
regularmente com a irmandade, além do constante
ingresso de novos membros.
O aspecto a ser ressaltado é por ser uma maioria
de irmãos escravos e libertos, eles poderiam
obter rendas. A pensar que, num primeiro momento, essa
parcela social não tinha essa autonomia, essa
era uma realidade possível no período
colonial. Havia os escravos de ganho “que circulavam
pelas ruas, ofereciam os seus serviços ou vendiam
iguarias, sempre para ao final do dia pagar certa quantia
ao seu dono, auferindo para si alguma sobra no mais
das vezes insuficientes para a sua subsistência
(KARASH, 2010, p. 439-440).”
Pode ser inferido que no caso dos escravos, inicialmente
os senhores pagavam o valor de ingresso, mas dentro
dessa perspectiva, esses cativos poderiam arcar esse
custo ao longo do período de permanência
na Irmandade do Rosário. Os libertos exerciam
uma série de atividades que proporcionavam rendimentos
e por essa razão também eram capazes de
se manterem na Irmandade do Rosário. Aos homens
estavam reservados “ofícios de carpinteiro,
sapateiro, pedreiro, alfaiate, etc (SOUZA, 2010, p.
66).” As principais atividades femininas eram
costureira, rendeira, doceira, padeira, fiandeira, louceira,
lavadeira, parteira e prostituta.
Fica evidenciado o protagonismo de africanos e seus
descendentes. Nesse sentido demonstra que pertencer
a uma irmandade era a possibilidade de um ganho de autonomia
e a possibilidade de gerir o rumo de suas vidas.
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4.4
Cargos de escrivão e tesoureiro
num contexto mais amplo
Os cargos de escrivão e tesoureiro eram fundamentais
para a boa gerência da atividade financeira da
irmandade. Em Viamão, “não é
de menos conta o ofício de Escrivão desta
Irmandade porque a ele pertence o cuidado dos livros,
e tratar da boa ordem deles fazendo os assentos da despesa
e receita tendo-os em forma que se lhe louve sempre
seu zelo e diligência”. Efetuar esses registros
contábeis era fundamental para as pretensões
da confraria. Nesse entendimento, o escrivão
não seria somente um registrador das atividades
habituais da irmandade, mas alguém com um pouco
mais de conhecimento, nesse caso, de elementos de contabilidade
por mais simples que sejam. |
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Não
havia a exigência quanto a ser branco, na irmandade
do Rosário de Viamão. Naturalmente,
para exercer essa função o irmão
deveria ser alfabetizado.
A maioria dos escravos e libertos não sabia
ler nem escrever o que poderia ser um impedimento
para assumir essa atribuição. A historiografia
sobre as Irmandades do Rosário mostra que pretos
e libertos ocuparam esse cargo e em Viamão
também havia essa possibilidade.
O tesoureiro era responsável pelos bens e valores
da irmandade. Uma posição de alta responsabilidade
na irmandade.
Muito
provavelmente a pessoa que desempenhasse essa função
fosse alfabetizada. Não faria sentido se o
tesoureiro não tivesse nenhum conhecimento
de letras e números, embora não houvesse
essa exigência explícita. Não
seria improvável que o tesoureiro assumisse
uma postura mais ativa no que se refere às
tomadas de decisões dentro da estrutura da
irmandade diante
da responsabilidade do cargo. No caso de Viamão,
o tesoureiro poderia ser auxiliado por um irmão
negro.
No
livro de despesas da irmandade tem-se o registro de
que o cargo de tesoureiro durante determinado período
foi assumido por um negro. No ano de 1768, o forro
Manoel dos Passos contribuiu com 2$560 para Irmandade
do Rosário de Viamão. Observando o livro
de despesas da citada confraria o tesoureiro era Manoel
Gonçalves dos Passos do período de 1755
a 1763. Muito provavelmente esse é um caso
de um irmão preto que assumiu essa função
de enorme responsabilidade. A informação
contida capítulo do livro de entrada de irmãos
reforça a ideia de que o Escrivão também
poderia ser ocupado por um irmão negro na Irmandade
do Rosário de Viamão.
O fato de que o escrivão e o tesoureiro em
certas Irmandades do Rosário fossem ocupados
por negros mostra a posição de destaque
dessa parcela da população. De fato,
mais uma vez é comprovado que dentro da rigidez
da sociedade colonial, os negros poderiam gozar de
autonomia e decidir não só os rumos
de suas vidas, mas também serem capazes de
se auto organizar, administrando e liderando um espaço
que ajudaria seus iguais. O fato da presença
negra em funções administrativas de
tal importância, numa organização
de grande contingente escravo e ex-escravo, representa
que na medida do possível, os negros poderiam
ter essa capacidade e competência. Como uma
irmandade de maioria negra, a prerrogativa de que
os principais cargos fossem ocupados brancos, em determinado
momento, pudesse ser questionada.
4.5 Particularidades da Irmandade do Rosário
de Viamão reveladas no exame das informações
contábeis. Uma peculiaridade da Irmandade de
Viamão que contraria o que se tem estudado
sobre as demais organizações do Rosário
é que até onde se conhece, não
há registros de que houvesse a construção
de uma igreja própria. A historiografia revela
que essa era a preocupação principal
de uma irmandade logo em que era constituída.
Pelos valores arrecadados pela confraria, infere-se
que possivelmente os irmãos estivessem se esforçando
para realizar essa obra.
Talvez o que justifique a não construção
de uma sede própria por parte dos irmãos
de Viamão seria o fato da transferência
da capital para Porto Alegre em 1773. Essa situação
deve ter desestimulado os confrades do Rosário
de Viamão em virtude da transferência
da importância regional para Porto Alegre o
que poderia ocasionar uma possível migração
populacional para a nova capital. O fato de que a
Irmandade Rosário de Porto Alegre foi fundada
em 1786 também deve ser considerado nesse caso.
Além disso, o valor para erguer um templo era
bastante elevado. Barea (2004) informa que a construção
da igreja do Rosário de Porto Alegre custou
11:697$250 réis cuja duração
levou dez anos sendo inaugurada em 1828. Embora os
valores arrecadados pelos irmãos de Viamão,
na década de 1780 fossem expressivos, o montante
ainda era muito baixo para iniciar uma obra desse
porte. Em virtude da conjuntura citada anteriormente,
esse pode ter sido mais um motivo para a não
construção de uma igreja do Rosário
em Viamão. Essas questões devem ser
melhores analisadas no longo prazo, o que fica como
indicação de estudos futuros. Pelo exame
das contas da irmandade, Viamão ainda mantinha
uma influência social e econômica relevante
no contexto gaúcho em fins do século
XVIII.
Outro fato a destacar era que a princípio havia
a possibilidade de alforriar irmãos escravos.
Pelas despesas da irmandade esse gasto não
foi localizado. Todavia, pelo lucro gerado pelos irmãos
de Viamão poderia se pensar que havia a intenção
de se concretizar essa meta, pois comprar a liberdade
era caro, então a irmandade deveria estar preparada
financeiramente para isso.
Pelos registros da receita, havia uma juíza
de ramalhete. No ano de 1781 esse cargo contribuiu
com 4$000 réis. Esse é o único
registro na década de 1780. O cargo não
consta no livro de compromisso. Dois cargos muito
importantes dentro da Irmandade do Rosário
de Viamão e que não são mencionados
no livro de compromisso, são os reis e rainhas.
Pela informação da receita, sabemos
da existência desses cargos os quais contribuíam
com valores substanciais para a irmandade. Ambos doavam
o valor de 6$400 réis. Pelo valor que desembolsavam,
esses cargos tinham importância primordial na
manutenção da Irmandade do Rosário.
Embora não sejam cargos administrativos, a
coroação de reis e rainhas acontecia
durante a festa do Rosário e tinha um valor
simbólico dentro da confraria de subversão
a lógica da sociedade colonial oportunizando
a esses negros e negras, por alguns instantes, visibilidade
e destaque social.
A contabilidade como disciplina auxiliar na produção
do conhecimento histórico.
As informações contábeis revelam
aspectos mais amplos não se restringindo apenas
aos números. Através dos números
podemos conhecer as pessoas que os produziam. No caso
de Viamão podemos identificar a importância
dos controles referentes aos valores da irmandade
através dos cargos de escrivão e tesoureiro
que nesse caso poderiam ser negros.
Nesse caso pode-se afirmar que esses cargos possuem
uma identificação contábil. A
contabilidade por mais elementar e simplificada que
seja é capaz de identificar outros cargos que
até então não estavam previstos
no regulamento da irmandade. Também podemos
saber que a confraria poderia alcançar outras
freguesias como é mostrado o ingresso de esmolas
de Porto Alegre no valor de 54$385 no ano de 178173.
Nessa situação podemos notar a importância
dos andadores dentro da confraria.
A Irmandade do Rosário de Viamão era
tão influente que atraía gente de outros
lugares.
O fato de que o livro de receitas e despesas terem
sido preservados durante tanto tempo, faz pensar sobre
a importância de se registrar valores e mantê-los
no sentido de mostrar uma evolução da
irmandade ao longo do tempo. Nesse aspecto, a contabilidade
efetuada na confraria do Rosário de Viamão,
remete para a questão que esse conhecimento
é tão antigo quanto ao surgimento da
humanidade. Desde os primórdios, à medida
que ahumanidade se desenvolvia, o controle de atividades
essenciais para a sobrevivência do homem se
fazia necessário de modo que também
se adaptava as novas conjunturas sociais.
O exame da contabilidade de uma entidade do século
XVIII evidencia que esse saber está conectado
com a realidade social. Através das contas
podemos extrair uma série de informações
importantes que subsidiam a importância da irmandade
do Rosário de Viamão. A contribuição
da contabilidade nesse caso foi de valorizar uma parcela
social que durante muito tempo foi considerada como
subalterna, destacando sua importância na sociedade.
Igualmente, as práticas contábeis também
mostram quais as pessoas que poderiam ser beneficiadas
através de uma boa gerência financeira
conquistada pela irmandade.
Embora a contabilidade se baseie em informações
numéricas para atingir seu objetivo, que é
evidenciar a realidade financeira de uma instituição,
esse entendimento pode alcançar um sentido
mais extenso. A contabilidade também efetua
o registro da sociedade em determinado tempo. Através
dela podemos ter a noção de como a irmandade
do Rosário interagia com o restante da sociedade.
A confraria não estava isolada, o registro
da despesa e receita mostra essa comunicação
entre os vários atores sociais daquela época.
Dentro
dessa perspectiva, o simples registro de uma contabilidade
auxilia na compreensão dos fatos históricos
sendo também uma forma de interpretar o passado.
História e Contabilidade podem contribuir mais
em termos de produção acadêmica.
A contabilidade pode propor soluções
que garantam melhor compreensão da sociedade
aos que podem ser beneficiados através do resultado
desse trabalho. Para que a contabilidade seja eficiente
ela não pode estar alheia a realidade social
que a cerca.
A partir do que foi discutido, a contabilidade também
assume um caráter social. Uma contabilidade
social pressupõe um engajamento dessa área
do conhecimento no sentido de estar atenta aos aspectos
relevantes do seu tempo. “Como Ciência
Social, a Contabilidade é um produto do meio
refletindo as diferentes condições sócio-econômico-político-legais
(SZÜSTER et al., 2005, p. 21).” O adequado
registro das informações financeiras
revela a complexidade das relações sociais.
Nessa perspectiva, a abordagem contábil contribui
para ressaltar a importância do caráter
histórico. Uma contabilidade social pode ajudar
a problematizar questões relevantes da sociedade,
assim como propor soluções e encaminhamentos
diante de questões de interesse da população
em geral.
|
•
Assim
como o homem progrediu, a Contabilidade, como uma
ferramenta indispensável para o progresso da
humanidade, perseguiu esse progresso. A epítome
do enredo evolutivo da Contabilidade leva ao desfecho
de que, assim como qualquer ramo de conhecimento intimamente
relacionado com o contexto social, a História
do Pensamento Contábil é produto do
meio social em que o usuário está inserido,
tanto em termos de espaço como em termos de
tempo (SCHMIDT, 2000, p. 12).
|
Livro
de Receitas e Despesas da Irmandade do Rosário
de Porto Alegre. 1757-1859.
•
Não era improvável a participação
de moradores desta freguesia, visto que a Irmandade
do Rosário de Viamão foi constituída
em 1751, ou seja, trinta anos antes em relação
a Porto Alegre.
•
Em sítios arqueológicos do Oriente Próximo,
foram encontrados materiais utilizados por civilizações
pré-históricas
que caracterizam um sistema contábil utilizado
entre 8000 e 3000 a.C., constituído de pequenas
fichas de barro. Essas escavações revelaram
fatos importantes para a Contabilidade, colocando-a
como mola propulsora da criação da escrita
e da contagem abstrata. É possível falar-se
de arqueologia da Contabilidade, pois os vestígios
de sistemas contábeis encontrados são
produto científico de restos de culturas humanas
derivadas de conhecimentos desenvolvidos em tempos
pré-históricos. SCHMIDT, 2000, p. 15.
Professor do Curso de
Ciências Contábeis da UFRGS.
•
Á, Antônio Lopes de. História
Geral da Contabilidade no Brasil. Brasília:
Conselho Federal de Contabilidade, 2008. O autor faz
um trabalho sobre a história da contabilidade
no Brasil desde o período colonial até
o início do século XXI. Dentro do recorte
temporal do presente trabalho de conclusão
de curso, ver especialmente o capítulo Cultura
contábil europeia e o Brasil Colonial, onde
é dado destaque para as pessoas que efetuavam
a contabilidade, assim como as legislações
e os órgãos criados relacionadas com
as práticas contábeis ao longo de três
séculos. Segundo o autor, Pero Vaz de Caminha
seria o primeiro contador a aportar em terras brasileiras.
Contador, economista, administrador, cientista e professor,
Lopes de Sá era vice-presidente da Academia
Brasileira de Ciências Contábeis, membro
da Academia Brasileira de Ciências Econômicas
e da RealAcademia de las Ciencias Económicas
y Financieras, da Espanha, além de ser o único
ibero-americano na Academie des Sciences Commerciales,
da França
|
 |
Uma
das propostas do trabalho desenvolvido é contribuir
com essa historiografia que, há algum tempo,
vem demonstrando o protagonismo do negro no Brasil.
Logo, estudar o legado deixado pela Irmandade do Rosário
de Viamão é compreender que esse lugar
proporcionou um importante espaço de resistência
e sociabilidade para a população negra
local. Assim, pode-se subverter a lógica de
que os cativos africanos eram tratados apenas como
mercadorias a serviço do tráfico.
As irmandades dos homens de cor oportunizaram assistência
social a esse contingente relegado pelas autoridades
oficiais. Posteriormente, essas confrarias por meio
da educação e da formação
de pecúlio tinham como objetivo melhorar as
condições de vida de mulheres e homens
negros.
|
Após
a Proclamação da República, os
clubes e sociedades originados a partir de antigos
irmãos do Rosário mostram a capacidade
de adaptação e de resistência
dessa parcela da população desde o período
colonial originada a partir da força de suas
redes de sociabilidade e solidariedade.
Não só as irmandades do Rosário,
mas as corporações militares e a participação
no clero eram ambientes capazes de garantir destaque
e prestígio aos negros na sociedade colonial.
Ao que parece, mesmo que os negros pudessem ter acesso
às estruturas sociais citadas, eram nas confrarias
do Rosário que eles se sentiam mais protegidos
das desigualdades advindas da sociedade colonial.
Em nenhuma outra região do imenso Império
Português, as Irmandades do Rosário conquistaram
tanto sucesso como em terras brasileiras.
Ao longo do desenvolvimento do trabalho pode-se perceber
o circuito Portugal-África-Brasil no estudo
sobre as Irmandades do Rosário. Dessa forma,
as conexões atlânticas referentes a esse
tema ainda não foram suficientemente exploradas.
Com o estabelecimento dessas confrarias na América
Portuguesa criou-se mais claramente a relação
escravidão-religiosidade-sociedade. Estudar
a Irmandade do Rosário de Viamão é
perceber a presença da comunidade negra não
apenas nos registros judiciais, policiais, nos testamentos,
registros de nascimentos e óbitos. Através
das fontes estudadas no trabalho a comunidade negra
pode ser identificada em um ambiente que possibilitou
a essa parcela garantir certa autonomia na condução
dos rumos de suas vidas. Participar de uma Irmandade
do Rosário permitia o acesso a assistência
social e a possibilidade de ter melhores condições
de vida.
Em virtude da pouca existência de produção
acadêmica sobre as irmandades do Rosário
localizadas em outros municípios, no Rio Grande
do Sul os trabalhos mais consistentes sobre irmandades
do Rosário focam a instituição
localizada em Porto Alegre. Da mesma forma, há
poucos estudos sobre a dinâmica do comércio
de cativos africanos no Rio Grande do Sul quando se
refere a origem desses escravos. Nessa perspectiva,
ao longo do trabalho elaborado, a pesquisa pode contribuir
com sugestões de estudo que possam ser aprofundados
futuramente.
Pelos dados pesquisados, em meados do século
XVIII em Viamão, a população
de origem africana era quase metade do total da população.
Esse fato contribui para relativizar a presença
da população negra na formação
do atual estado gaúcho. O Rio Grande do Sul
desde as suas origens contou com a participação
de uma população negra em grande escala
nos aspectos sociais, econômicos e culturais.
Ao analisar fontes de receitas e despesas pode-se
perceber a importância da contabilidade como
suporte para o desenvolvimento de questões
históricas sobre a Irmandade do Rosário
de Viamão. Esse ramo do saber está relacionado
com os aspectos da vida em sociedade e não
apenas na produção de números.
Nesse sentido, buscou-se através da minha experiência
pessoal como profissional da contabilidade colaborar
de forma modesta com elementos que pudessem servir
de subsídios para a produção
do trabalho de conclusão de curso.
A
pesquisa poderá colaborar de alguma forma para
dar enfoque a uma parcela da população
que, durante muito tempo foi negligenciada pela produção
historiográfica ou que foi mostrada somente
de forma subalterna. Atualmente, a população
negra reivindica sua participação na
história brasileira. Especialmente numa época
de perda de direitos sociais e pela deslegitimação
da mobilização desse grupo social que
exige políticas públicas voltadas para
as suas realidades. Importante registrar que simbolicamente
em 2018 se completam 130 anos da abolição
da escravatura e os 30 anos da Constituição
Cidadã, na qual pela primeira vez, é
destacada a participação afro-brasileira
no processo civilizatório nacional. Dessa forma,
o presente trabalho é uma pequena contribuição
para ressaltar a importância dessa população
como sujeitos ativos na história.
|
AHCMPA (Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana
de Porto Alegre)
• Livro
de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
de Viamão. 1756.
•
Livro de Entrada de Irmãos da Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário de Viamão.
1773 – 1816.
•
Livro de Despesas da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário de Viamão. 1754 – 1768.
•
Livro de Receitas e Despesas da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário de Viamão. 1757 –
1859. APERS (Arquivo Público do Estado do Rio
Grande do Sul)
• Inventário
post mortem de José Fernandes Petim –
1° Cartório de Órfãos e Ausentes
n. 151 – m. 10 – E. 121ª (1790).
|
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