Ronda
- João Batista Marçal |
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Boa-noite,
meu amor!
Das veias abertas da noite-criança, está
gotejando ternura, paz, amor e resignação.
Te penso e penso com a alma tremendo sob o sinete
de cada segundo que passa. Aquela estrela perdida
que ainda há pouco cortava o espaço
infinito, foi uma intenção de carinho
que eu te mandei. Os riscos dos vaga-lumes, são
esperanças que traçamos.
Cada estrela que se acende no descampado da distância,
é uma chama que passa a arder no coração
dos que amam, na alma dos poetas e no coração
das crianças. O silêncio é um
lençol que desenha pilocromias musicais na
sinfonia das horas que correm, inxoráveis e
que vão esplender, quais relâmpagos,
no espírito dos desamados.
Amar, tudo amar é a palavra de ordem. Amar
as pessoas, amar os animais, amar o mundo, amar a
vida, amar o próprio amor, desde que este,
como polvo, estenda os seus tentáculos até
as raízes de nós mesmos sobre a terra.
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E
que a dimensão de nosso amor seja tão
alta, tão grande e tão maravilhosa que
sedimente, de uma vez por todas, os pilares de um mundo
mais justo, mais humano e mais fraterno. |
Edição
01 - Publicada na Revista
Viamão em junho de 2004. |
Boa-noite,
meu amor!
Não
se pode dizer que vivemos num tempo de paz. A paz é
um sonho distante como uma estrela que se perde na amplidão,
apenas vislumbrada no lusco-fusco deste tempo de desencontros,
desigualdades e malquerenças.
Inquietação e angústia dominam,
atingem a todos, indistintamente. Embora o homem tenha
andado recentemente a passear na Lua, a mais singular
de todas as conquistas deste século tecnológico
e frio o homem ainda peca pela falta da mais simples
e da mais humana das conquistas: não conseguiu
a si mesmo. Dimensionou o espaço cósmico,
mas não dimensionou ainda o pequeno território
do coração. Conhece tudo, mas não
conhece a si próprio.
Com o coração calejado pelas barbáries
que lastrearam a sua caminhada, com a soma dos erros
que sedimentaram a sua experiência sobre a terra,
por aí anda o homem deste século vinte
e um, sombra e farrapo de si mesmo, fantasmas assustado
ante o somatório das incertezas que, como bolas
de neve, crescem nos seus horizontes.
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Pensemos
nestas coisas, neste começo de madrugada, neste
alvorecer de um novo dia, reafirmando a nossa fé
e a nossa esperança nos destinos de todas as
pessoas. Apesar de tudo, nós cremos no homem.
Cremos na raça humana porque, mesmo com a alma
mutilada, em frangalhos, o homem ainda é capaz
de amar. |
Edição
02 - Publicada na Revista
Viamão em julho de 2004. |
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Boa-noite,
meu amor!
Uma
taça de cristal derrama saudade nos meus sentidos.
O frenesi das horas correndo como as águas
tépidas de uma fonte, dilata emoção
para os caminhos insondáveis e para os mistérios
do amor. Há um silêncio tumular cadenciando
a dança do tempo, que corre e escorre numa
imprevisibilidade louca e impossível.
O coração metralha, atropelando o espírito.
Vozes, gestos, palavras, intenções,
tudo vem em disparada, das raízes primeiras
do meu ser, alargando minhas comportas, rasgando minha
ternura. Tomo pé dentro da vida. Olho por cima
da grande árvore existencial e constato minha
pequenez: minúscula sombra a gritar dentro
da noite da vida algumas verdades, síntese
da minha verdade maior.
Há uma luz no fundo do poço em que me
encontro. Sua cintilação me lembra os
teus olhos, espelho verde de esperança em que
te vejo e vejo, me lembra as tuas mãos espiritualizadas
de carinho, o atlas de teu corpo e a soma de virtudes
que te fazem irmã de todas as mulheres, essência
e chave da multiplicação da natureza.
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Vem
comigo, negra! Voltemos a ser crianças. Ajuda-me
a levantar esta pandorga carregada de ternura. O vento
forte lá em cima, vai faze-la em mil pedaços
e, ao invés do sereno, vai chover amor na noite-criança! |
Edição
03 - Publicada na Revista
Viamão em agosto de 2004. |
Boa-noite,
meu amor!
Eu
te trago, negra, nesta noite prateada de lua cheia,
uma história amarga, de terra e sangue, vinda
do sertão agreste do Brasil do lado de lá,
das caatingas, das charnecas, de lá onde a seca
resseca tudo desde a raiz da natureza até a alma
das pessoas. |
Um
matuto humilde, daquelas terras onde tudo se estiola
e honra se lava com segue, vivera a vida inteira em
função de um esporte bárbaro, terrível,
próprio da terra onde se convive diuturnamente
com a morte, em função de brigas de galo.
E nesse esporte selvagem ele enriqueceu, fez fortuna
e fazenda.
Sua grande “arma” fora um nordestino vestido
de penas, um galo de puas e coragem invencíveis.
Suas vitórias, uma atrás da outra, trouxeram-lhe
capital, fama e respeitabilidade. Com o tempo e a soma
das vitórias - o matuto ficara rico e o velho
galo totalmente cego. Por desnecessário, agora,
o matuto abandonou esse esporte. E ficou-lhe somente
o galo, velho, alquebrado, e cego. Ele, o matuto rude,
mandou fazer-lhe um galinheiro especial, com o maior
conforto que se possa imaginar. E foi mais longe: instalou
um holofote na abóbada do galinheiro, contratou
um empregado e este liga o holofote, diariamente, às
seis horas da manhã, para que o galo velho, sob
o seu refletor - possa cantar saudando o sol! Simplesmente,
para que o velho galo, possa cantar, na reafirmação
da virilidade perdida - saudando o surgimento de um
novo amanhecer! |
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Lembrada
esta história, que é real, eu fico pensando,
amor, que enquanto os homens forem capazes de atos desta
grandeza, de atos como este - palpitantes da mais densa
humanidade - atos de renúncia, de agradecimento
que se traduz em AMOR - estará reafirmada a excelência
do existir e valerá a pena continuarmos nos desangrando
em amor pelos caminhos do mundo. |
Edição
04 - Publicada na Revista
Viamão em setembro de 2004. |
Boa-noite,
meu amor!
Há
muito o dia escorregou por entre as franjas das nuvens
corredeiras, indo esconder-se tímidamente no
côncavo distante que existe entre a terra e o
infinito. |
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A noite é um felino manhoso, que veio na ponta
dos pés, muito sorrateiro, se deitou numa nuvem
distante e ficou jogando suas sombras sobre uma Viamão
cansada que começa a dormir - vale dizer -
a fugir das próprias cruezas, nas asas do sono...
A vasta legião dos desamados, neste instante,
acalenta uma esperança em cada dobra do coração.
Os amantes fazem castelos no ar, constroem e destroem
mundos, inebriados, perdidos doidamente nos descaminhos
do amor... Os ébrios andam pelas ruas dizendo
frases desconexas, cambaleando ao peso das frustrações,
rindo da comédia da vida, tamborilando velhas
canções de infância...
Um galo canta longe, na infância talvez. No
painel de nossa saudade - sorrisos, rostos, mãos,
beijos - tudo desencadeia no nosso mundo interior
um tropel de ternura, uma incrível palpitação
afetiva: restos de instantes que passaram e que marcaram
com línguas de fogo a estrutura de nosso espírito...
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Movendo
tudo, atrás e acima de tudo, a fada esquiva do
amor, mola de nossos gestos, poesia que esplende nos
olhos da mulher que eu amo, ternura de nossa vivência.
Sem ele - sem o amor - seríamos movidos pelos
nervos, não pelo coração; seríamos
movidos pelos instintos, não pelo espírito.
Sem amor, seríamos espectros de gente, sombras
errantes, arremedo de pessoas, restos de grandezas diluídas,
pois só o amor é capaz de nos fazer amantes
da lua e companheiros de todas as estrelas. |
Edição
05 - Publicada na Revista
Viamão em outubro de 2004. |
Especial:
Zumbi e a Negritude
No
decênio inicial do século XX, uma pedra-de-toque
no crescimento da consciência do negro brasileiro:
a Revolta da Chibata, na Marinha de Guerra, comandada
pelo marinheiro gaúcho João Cândido
- O Almirante Negro contra uma das mais terríveis
heranças da escravatura: a chibata. A descrição
dessa revolta foi uma bofetada na cara do povo brasileiro.
Numa instituição militar de elite, a Marinha,
as torturas e infâmias de que continuavam sendo
vítimas os descendentes de escravos. Logo a seguir,
em São Paulo, vários jornais e organizações
de proteção e ajuda mútua, além
de denúncias contra o preconceito e o racismo.
Dentre os jornais "Clarim da Alvorada", marcadamente
de esquerda. Já nos anos 30, a Frente Negra,
com todos os seus desvios, pode constituir-se num referencial
das lutas de resistência do povo negro. Logo adiante,
sufocado o Estado Novo, o TEN - Teatro Experimental
do Negro - tendo a frente a figura singular de Abdias
Nascimento.
A
intelectualidade negra e sua militância, mesmo
que ignorada pela mídia, teve um papel importantíssimo
no sentido de sepultar a grande babaquice que era essa
comemoração de 13 de maio. É quando
despontam, a partir da metade do século XX os
nomes de Solano Trindade, Abdias Nascimento, Oswaldo
Camargo e do gaúcho Oliveira Silveira. |
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Esses,
entre outros, foram os criadores de um movimento de
rebeldia e contestação que o tempo passaria
à chamar de negritude. Foram inúmeros
livros, debates entrevistas e conferências que
lançaram as bases de uma nova visão do
negro e sua história.
Foi um momento em que o negro começou definitivamente
a assumir a sua negritude, o seu valor e a sua historicidade.
Foi daqui do Rio Grande do Sul que partiu, em 1971,
do Grupo Palmares, que tinha a frente o poeta Oliveira
Silveira, o primeiro texto, o primeiro protesto e a
primeira palavra de ordem visando acabar com a farsa
de 13 de Maio. Oliveira Silveira propunha simplesmente,
como data fundamental para a negritude, o 20 de novembro
- aniversário da morte de Zumbi dos Palmares.
Essa é a data, pois que tem tudo a ver, que mais
diz respeito ao negro e à história, suas
lendas, suas tradições. Essa é
a data, pois que tem tudo a ver, que mais diz respeito
ao negro e à história, suas lendas, suas
tradições.
O 20 de novembro reverencia o maior guerreiro brasileiro
de todos os tempos, a figura grandiosa, quase mitológica
de Zumbi-o guerrilheiro negro de Palmares, a Tróia
Negra, o maior reduto de combatentes já reunidos
na América Latina. |
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Afora
os compêndios racistas de nossa história,
nenhum mais consegue esconder a rebelião de Palmares,
A Guerra de Palmares, que durou quase um século,
entre 1700 a 1800, na Serra da Barriga, em Alagoas,
onde nasceu, viveu e morreu entre as labaredas dos combates
a figura extraordinária de Zumbi.
Zumbi, uma vida inteira á frente de milhares
de combates, lutando pela sua - e pela nossa liberdade.
Combatendo o preconceito, o racismo, a elite escravista
branca, o colonialismo, expressão inicial do
sistema capitalista de exploração.
Ele e seus guerreiros foram expressões superiores
da raça, da espécie humana. Com sua história
e sua bravura rasgam um clarão no tempo e escrevem,
ali, a história de sua dignidade.
Os negros de hoje são seus herdeiros, seus testamenteiros.
Eles têm que carregar esta bandeira que joga no
lixo o folclore desse 13 de Maio, por todos os títulos
acintoso, desrespeitoso com os valores da negritude. |
Edição 06 - Publicada na Revista Viamão
em novembro de 2004 - Edição especial sobre
o negro, no Brasil, no Rio Grande do Sul e Viamão. |
Boa-noite,
meu amor!
Antoine de Saint-Exupéry, no “O Pequeno
Príncipe”, traz um diálogo que me
parece denunciador de uma verdade que, pela crueza,
não pode ser esquecida: ele denuncia a superficialidade
, o vazio, a pobreza espiritual que tantos avilta e
materializa. |
Se
dissermos a uma pessoa: “Eu comprei uma casa alto
de uma colina, com árvores que abrem os braços
para o céu; com pássaros que me acordam
pela manhã; com uma frente que recebe os primeiros
beijos do sol a cada dia; com flores que enfeitam e
perfumam os meus caminhos...” Se dissermos só
isso, essa pessoa dará de ombros, indiferente,
pois afinal não estamos a dizer-lhe nada...
Se dissermos, porém continua Saint-Exupéry
assim: “Eu comprei uma casa que custou 600 mil
reais”, essa pessoa vai nos olhar, encantada,
e dizer: “Que casa linda!”. Esse diálogo
denuncia um materialismo grosseiro, uma falta de grandeza
que, como vírus, está se disseminando
cada vez mais, entre os homens, em todos os lugares
da terra.
É bom pensarmos nestas coisas, nesta entrada
pelos caminhos de uma nova madrugada, para que um novo
dia nos encontre integrado a grande legião dos
que entendem que o homem dotado de uma chama imortal,
feita de fé e de Amor, a qual nos diferencia
dos animais e nos engrandece como pessoas HUMANAS. |
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Edição
07 - Publicada na Revista
Viamão em dezembro de 2004. |
Boa-noite,
meu amor!
08
- Amargo este silêncio da noite que caminha
para a noite maior das coisas insondáveis.
Amargo e monótono este desfilar das horas que
se arrastam, como deuses mortos. Amargas as raízes
deste amor que amamos e odiamos, amargos estes sonhos,
amargas estas gotas de ternura, amargo, muito amargo
este egoísmo, este medo de perder-te...
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Vem, negra. Dá-me a tua mão. Andemos
um pouco. Para onde? A noite esta lá fora,
convidativa, amante, sensual, com seu cortejo de estrelas
solitárias.
Se nada tenho para dar-te eu te ofereço esta
noite, este céu, estas estrelas, esta brisa
que brinca com os teus cabelos...
Vem, negra. As flores da noite te ofereçem
o seu melhor perfume... A lua, invejosa, vai matizar
de luzes a tua caminhada... As pedras do caminho vão
beijar os teus pés e os raios de luar vão
abrir os braços numa moldura para teu corpo...
Eu sou todos os homens e tu és todas as mulheres.
Num só. Num beijo de luz que se ergue para
saudar o prenúncio de um novo dia, num canto
de paz, pois assim que amam todos os homens e todas
as mulheres, com as fibras de sua pobre humanidade,
com os restos de sua sofrida ternura, com o sangue
de um coração que se abre para o mundo
entoando um hino de fé, um hino de AMOR no
destino de todos nós...
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Edição
08 - Publicada na Revista
Viamão em janeiro/fevereiro de 2005. |
Boa-noite,
meu amor!
Há
uma estranha orquestração na noite lânguida,
preguiçosa, que se arrasta tropeçando
nas estrelas, como um menino triste carregando um
fardo.
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Uma
música misteriosa, de acordes mágicos,
feita talvez de réstias de luz e treva, entra
pela nossa carne, pelo nosso sangue, tomando de assalto
os espantos e solidões que se escondem no nosso
mundo interior. Da terra que freme, pelo calor, surgem
tentáculos invisíveis - bocas e mãos
- enlaçando a nervatura de nossos sentidos. Há
um vasto cobertor negro sobre o mundo e sob ele nos
agitamos, vivemos, sofremos, perpetuamos a espécie
e gritamos alto pois que com o espírito, a pobreza
da condição humana...
Deitar raízes sobre a terra, abraçar o
mundo, com a excelência de suas grandezas e a
tristeza de suas misérias, essa a ordem do dia.
Viver para tudo, tudo ver, de tudo participar, rir,
chorar, deixar, enfim, que a correnteza da vida flua
por entre os nossos dedos, com o sabor da água
cristalina que vem de uma fonte.
A vida é um convite, uma provocação,
um chamamento, um desafio. Viver é assumir a
condição humana na sua integralidade.
O resto é não-viver. Vem comigo. Vamos
rasgar uma clareira no tempo e sair por aí, com
as mãos cheias de ternura que o mundo será
terno conosco. Iremos pisando espinhos e recebendo beijos
de flores, morrendo e renascendo em casa sorriso, em
cada gesto afetivo, morrendo e renascendo, a cada instante,
no doce e mágico mistério do Amor. |
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Edição
10 - Publicada na Revista
Viamão em maio de 2005. |
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Boa-noite,
meu amor!
Te
penso e penso nessa noite que se derrama sobre lonjuras
difíceis de imaginar. Lembro a história
daquele camponês humilde lá dos fundões
da Espanha, o qual sonhava com grandes viagens, grandes
descobertas, grandes conquistas, lugares de beleza
nunca vista. Campônio simplório –
já se vê – para quem a felicidade
era aparentemente uma meta inalcançável.
Até que um dia, depois de uma noite cravejada
de estrelas, acordou, pela manhã, com o coração
explodindo de ternura: um pássaro do campo
cantará para ele acordar. Lá fora, matizando
a sua choupana tosca, as árvores abriam os
braços para o infinito, numa doce sinfonia
de cores, luzes e paz.
Ao acordar, extasiado, a manhã jogava sobre
ele a imensa poesia de suas formas de perpetuar a
vida verdadeira. De pé, ele viu os pássaros
em revoada, com as asas abertas, numa cantata de amor
à vida. O riacho preguiçoso, ali adiante,
como sempre, marulhava baixinho, somando a sua voz
à voz da natureza que explodia em toda a sua
majestade. O milagre se processará: o campônio
sonhará a vida toda com belezas, conquistas
e maravilhas que – de repente – estavam
ali, sob os seus pés, para o brilho de seus
olhos e o toque de suas mãos. Na exata altura
de seu coração.
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Paremos
um pouco, negra, reavaliemos as coisas que nos cercam.
Possivelmente o sonho que sonhamos está dormindo
dentro de nós. A beleza que buscamos talvez
esteja ao alcance de nossa vista e não nos
tenhamos percebido. Em verdade, só o amor tem
resposta para nossas angústias, pois, como
afirmava Saint-Exupéry: “o essencial
é invisível para os olhos”.
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Edição
11 - Publicada na Revista
Viamão em junho de 2005. |
Boa-noite,
meu amor!
É
tudo calma, mansidão na noite preguiçosa.
Há muito as trevas da noite estenderam seu manto
esfarrapado sobre uma cidade que começa a fugir
da realidade quotidiana, nas asas do sono. O ar é
morno e tem um quê de mistério, de deslumbramento.
Cada minuto que passa vem com uma carga mística,
uma dúvida, o resto de uma saudade. Uma tristeza
canta em cada rodado do tempo, uma ponta de solidão
entorpece os sentidos da mulher amada.
Esta é uma hora de mistério, povoada de
lembranças.
Na nossa amarga caminhada sobre a face da terra, temos
andado a nos violentar: cada amigo que dobra a esquina
da morte, leva um pedaço de nós. Cada
afeto que perdemos, é uma fraqueza a mais na
raiz do espírito. Cada desencanto, uma ruga que
nos nasce no coração.
Sendo uma hora de mistério e de lembranças,
esta também é uma hora de amor, hora em
que, na sua solidão, o homem se dobra para dentro
de si mesmo, reavaliando seus objetivos, aquilatando
a própria estupefação na andança
das horas, buscando um sentido para a vida. |
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Tudo
é fugaz na vida que escorre pelas ruas, pelas
calçadas. Tudo tem fim: nossos sonhos, nossas
esperanças, nossa alegria e nossos desencantos.
Só o amor que, num ciclo mágico é
capaz de viver além da morte, é eterno,
real e verdadeiro. Graças a ele, a vida continua...
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Edição
13 - Publicada na Revista
Viamão em outubro de 2005. |
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Boa-noite,
meu amor!
Hoje
eu vi uma criança sorrindo e, na explosão
de sua ternura, eu tive vergonha das minhas frustrações,
tive vergonha de estar ajudando a construir um mundo
que é duro como um rochedo, uma figura monstrenga
que vai se arrastando numa esteira feita de lágrimas
de crianças, de queixumes maternos e desesperanças
humanas.
Hoje eu vi uma criança sorrindo, recebi um
beijo de sol sob uma estrada que se estendia aos meus
pés, sequiosa de rumos. O sorriso meigo dessa
criança se fez música nos labirintos
do meu espírito e, quando me apercebi, em pleno
dia, nasciam rosas no meu sangue e escorriam pedaços
de estrelas pelas minhas mãos.
Hoje eu vi uma criança sorrindo e o eco desse
sorriso ficou dançando numa saleta colorida,
se fez poesia, e na geografia de seu nascedouro, gritou
no afeto dos que ali respiravam, que o mundo seria
outro se todas as crianças sorrissem todos
os dias.
Hoje eu vi uma criança sorrindo e o sincopado
desse sorriso fez mil deuses chorarem porque os homens,
empenhados no combate feroz da sobrevivência,
encaramujados no seu egoísmo, estão
construindo um mundo só para eles e não
se apercebem da magia que jorra, aos borbotões,
num sorriso de criança...
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Ah,
porque hoje eu vi uma criança sorrindo eu estou
vislumbrando uma luz no amanhã e me agarro
à esperança de que, um dia, tão
claro como uma manhã de primavera, a musica
dos sorrisos das crianças vai invadir todas
as comportas do coração dos homens e
estes farão um mundo melhor, com flores, com
canto de pássaros e com uma sinfonia magistral,
feita de sorrisos de crianças...
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Edição
14 - Publicada na Revista
Viamão em novembro de 2005.
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Boa-noite,
meu amor!
A
noite vai alta, negra, e há uma estranha magia
perdida nas fimbrias de cada segundo que passa. Dir-se-ia
que a alma da noite estendeu um manto enorme sobre o
mundo e pelas suas frestas anda a deitar sementes de
esperança, nesgas de carinho e confetes de ternura.
Rumor de carros, vozes distantes, chama emotiva nos
pilares do coração, e, a saudade presença
dos ausentes embalando os nossos sentidos na noite que
é fria como os olhos dos desmamados. Nossa mensagem,
pois, nosso convite é para uma parada no tempo
e na vida, revisando conceitos, valores, formas expressionais,
enfim, esse conjunto de ingredientes que fazem girar
a maquina do cotidiano.
A vida, em verdade, só tem sentido quando posta
em função de um grande ideal ou de um
grande amor. Afora isto, seremos espectros de gente,
sombras fugidias, passaremos pela vida sem tê-la
vivido, sem tê-la sentido na experiência
grandiosa e única de suas pulsações.
Se no dia que findou ainda agora, alguns sonhos viraram
grãos de areia e se perderam nos confins do nada
não importa.
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O
que vale é que continuamos humanos, transformando
nosso espírito numa janela aberta para todos
os horizontes, no leito plácido de um rio por
onde rolam, uma a uma, nossas esperanças, nossas
emoções, nossos sonhos e nossos amores.
É tempo, pois, de energizar motivações,
de voltar a sonhar, de dar a volta por cima, de voltar
a amar, vale dizer, de voltarmos a nos encontrar com
aquela soma de valores universais que quebram a miserabilidade
da condição humana e nos fazem irmãos
de todos os homens e de todas as mulheres.
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Edição
16 - Publicada na Revista
Viamão em janeiro/fevereiro de 2006. |
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Boa-noite,
meu amor!
Das
veias abertas da noite-criança, está
gotejando ternura, paz, amor e resignação.
Te penso e penso com a alma tremendo sob o sinete
de cada segundo que passa. Aquela estrela perdida
que ainda há pouco cortava o espaço
infinito, foi uma intenção de carinho
que eu te mandei. Os riscos dos vaga-lumes, são
esperanças que tracamos.
Cada estrela que se acende no descampado da distância,
é uma chama que passa a arder no coração
dos que amam, na alma dos poetas e no coração
das crianças. O silêncio é um
lençol que desenha pilocromias musicais na
sinfonia das horas que correm, inexoráveis
e que vão esplender, quais relâmpagos,
no espírito dos desamados.
Amar, tudo amar é a palavra de ordem. Amar
as pessoas, amar os animais, amar o mundo, amar a
vida, amar o próprio amor, desde que este,
como polvo, estenda os seus tentáculos até
as raízes de nós mesmos sobre a terra.
E que a dimensão de nosso amor seja tão
alta, tão grande e tão maravilhosa que
sedimente, de uma vez por todas, os pilares de um
mundo mais justo, mais humano e mais fraterno.
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Edição
18 - Publicada na Revista
Viamão em março de 2006. |
Boa-noite,
meu amor!
A
alma da noite se liberta de seus grilhões e ainda
por aí, pelos silêncios do mundo, reverdecendo
as sementes da sensibilidade, cadenciando de ternura
o coração dos homens pintando de lilás
a estrada de cada segundo que passa...
A noite é tão fria que faz gelada a solidão
dos desamados. Uma aragem amarga perpassa pelas minhas
mãos, entra pelo meu sangue, pela minha epiderme:
a sombra do desencanto, um dos males deste século
em que o homem, nota musical perdida no concerto da
vida, anda de encruzilhada em encruzilhada com o espírito
chicoteado pelas grandes dúvidas: quem sou, de
onde venho e para onde vou?
Ao homem, bem no fundo, pouco importam as grandes conquistas,
as grandes vitórias, as grandes fortunas e as
grandes glórias. Ao olhar-se no espelho do coração
o homem ganha consciência de que tudo isso é
elementar, fugaz, passageiro como os meteoros que cortam
a lâmina das distâncias. |
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Em
verdade, o homem não deve importar-se com as
coisas em si, mas com a sua essência –
vale dizer – como a abelha que extrai o mel
do seio das flores o homem deve arrancar das raízes
da vida uma razão superior para viver! Sem
isso nada conta, nada importa, nada vale e nada há
de ficar na peneira existencial para onde correm as
nossas grandezas e misérias, para onde corre,
enfim, ávida de todos nós!
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Edição
19 - Publicada na Revista
Viamão em junho de 2006. |
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Boa-noite,
meu amor!
Uma
brisa suave anda lá fora marcando o compasso
das horas, arrulhando com a noite-criança,
brincando com os cabelos da minha amada. Se tudo tem
sua função na doce harmonia do mundo,
o vento também: ele é o mensageiro dos
suspiros e dos sussurros de todos os que amam, dos
que tem o coração aberto para a terna
realidade dos sentimentos.
Se a saudade é a presença dos ausentes,
como queria Bilac, essa brisa noturna que anda por
aí crestando espinhos e ninando rosas, deve
ser a síntese de todos os beijos roubados,
das mãos que se ergueram, chorosas, num adeus
de despedida. Esse vento deve ser um resumo de todas
as frases de amor, do pranto de todas as mulheres
e do sorriso de todas as crianças...
É doce e terna a andança da brisa entre
os cabelos da noite, noite aconchegante como a prisão
dos braços da mulher que amamos.
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O
vento pede licença para ventar e vai continuar,
na noite longa, a bater nas janelas do espírito
de tantos quantos ainda são capazes de amar.
De tantos quantos ainda são capazes de vencer
as borrascas da vida, por-se de pé, acreditando,
mesmo quando tantos nos gritam o contrário
– que o Amor é o sal da terra, tábua
de salvação, grito de permanência
do homem na rocha imortal de todos os séculos!...
|
Inédita 01 |
Boa-noite,
meu amor!
Há
uma ciranda de estrelas fugidias dentro da noite que
se distende, como um gato preguiçoso, nas plagas
distantes. O vento anda brincando de esconde-esconde
por entre as roseiras, os humildes arbustos se debruçam,
reverentes, saudando a lua – anfitriã da
noite – que anda pastoreando nuvens, perdida no
infinito.
As grandes árvores centenárias abrem os
braços para o alto saudando a madrugada-menina
que olha o mundo com dois olhos de espanto. Dormem os
homens, na sua maioria. Cansados todos, pois, vêm
de uma caminhada de milhares de anos, passos trôpegos,
indecisos, calejados.
Trazem nas dobras do espírito incríveis
grilhões, heranças amargas da espécie:
mágoas, dores, queixumes, rancores, malquerenças.
Eles, os homens, venceram milhares de combates mas não
conseguiram vencer as batalhas travadas nas antecâmaras
do coração: o egoísmo, a descrença,
o medo, e acima de tudo o ódio, que lhe corrói
as entranhas, como um verme. |
|
Metade
da humanidade dorme neste instante. E esse sono tem
muito de redentor, de fuga, de recolhimento. É
a entrada no mundo onírico, povoado de fantasmas
tão caros ao nosso coração: a
mulher amada, o afeto perdido, o amigo que partiu
na grande viagem sem retorno. Esta, pois, é
a hora do amor, um amor fugaz, amargo, misto de riso
e lágrima – única porta para nos
adentrarmos nos caminhos da ternura mais alta, sem
a qual desceríamos a escola zoológica,
a vida se estiolaria e – por Deus! – não
valeria a pena vivê-la.
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Inedita 2 |
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Boa-noite,
meu amor!
Esse
frio que anda lá fora é um chicote que
se abate cadenciadamente sobre o dorso nu da madrugada.
Esta se arrasta gemendo, no extertor de um touro numa
arena, atingido pela estocada final. Esse frio é
o sopro de um velho – o Senhor Inverno –
um capenga de olhar duro e passos cansados, que à
milênios, caminha com os pés acorrentados,
ofegante, trôpego, duende maldito de todas as
solidões.
Esse frio, que fustiga a alma das estrelas, carrega
o gelo das mãos de todos aqueles que morreram
sem amor. Esse frio que anda lá fora, carregado
de mistérios, é o cobertor com que se
cobre o Inverno, “um capucho de barbas brancas,
as canelas cor de cinza e um joelho marcado de reumatismo”,
no dizer de um poeta.
Ranzinza, o Senhor Inverno manda todos mais cedo para
o mergulho no sono. Se não é obedecido
ele explode a sua fúria pelas ruas, pelas avenidas,
por todos os caminhos. Seu látego zumbe na
noite-criança, que se encolhe, que se dobra
como uma flor cortada na haste.
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E
tudo o Senhor Inverno gela na sua fúria: as
pedras do caminho, a copa das árvores, a água
dos riachos, a alma da natureza. Só para os
homens, porém, o inverno deve perder o seu
combate: gelando tudo – não vai conseguir
apagar nunca o fogo do seu amor, não vai matar
nunca a chama da Esperança que se renova a
cada segundo, acima do tempo, na alma de todos nós.
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Inédita 3 |
Boa-noite,
meu amor!
A
noite é calma, suave, morna como um beijo de
sol sobre uma rosa em botão. As estrelas namoradeiras
andam a vagar, solitárias, arrastando entre si
uma vasta colcha bordada de luzes...
Uma vasta porção de gente, aqui nesta
selva de concreto que é Porto Alegre, já
está dormindo. De há muito as últimas
barras do dia agonizaram, num manso extertor, deixando
um último adeus de saudade perdido sobre os montes,
os vales, as colinas.
Mas o dia é teimoso: dentro de pouco, espancando
trevas, ele virá enfiando réstias de luz
por milhares de comportas que se abrirão no infinito.
E a manhã virá com roncos de motores,
com cantos de pássaros, com vozes humanas. Homens
e mulheres para quem viver é lutar, gente como
nós que faz do peito uma trincheira e para quem
sonhar é uma forma de sentir-se humana, vão
sair para a rua, para mais uma jornada de suor e trabalho.
E crianças também, crianças que
vão para as creches, para os orfanatos. Menininhos
franzinos, de passos tímidos, que saem com suas
caixas de engraxate, com seus grandes olhos de espanto
para o mundo que é frio, duro, onde há
muito a ternura humana foi esquecida, porque não
vende, não dá lucro. |
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Penso
em vocês, meninos da rua que não me escutam.
Penso em vocês, que não pediram para
nascer. Penso em ti, menino da rua, que andas por
aí espargindo a poesia simples de tua infância
sem destino, com o infinito no peito frágil
e com uma estrela em cada mão.
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Inédita 4 |
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Boa-noite,
meu amor!
A
noite é uma tela multicolorida que jogaram
para cima e lá ficou, sustentada pelos pilares
das distâncias. As estrelas são meninas
órfãs que, ora passeiam solitárias
no infinito, ora rezam pela alma do dia que se foi
para a noite grande do tempo, ora cantam uma cantiga
de ninar para este nosso vasto e absurdo mundo que
dorme.
As gotas de orvalho são lágrimas da
lua que está cansada do próprio cansaço,
farta de solidão e que tem os pés sangrando
pela sua caminhada milenar em busca do Astro-Rei,
o dono do seu coração... Quando o sereno
vem dormir no seio das flores, eu penso em vocês
que trabalham à noite, que casaram com a noite,
que porejam de esperanças os caminhos do mundo,
muitos e muitos, abraçados à solidão
de todas as solidões.
Penso nos homens cujos olhos se dilatam na distância
em busca da companheira, perdida na geografia noturna;
sonhos, afetos, sentidos voltados para o filho, a
filha – poemas de carne tragados pelas distâncias.
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Penso
em vocês, mulheres que trabalham à noite.
O coração na mão, a contagem
dos minutos e as horas se arrastando com pés
de barro, lentas, lentas, miseravelmente lentas. Um
sonho em cada escaninho do coração,
uma ansiedade em cada mão, uma ternura esquiva
em cada olhar cansado. Lá fora o mundo: sonhos,
esperanças e uma grande promessa de Amor, bálsamo
para as feridas que ficam em nós, na abertura
preguiçosa do leque das horas.
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Inédita 5 |
Boa-noite,
meu amor!
É
noite alta. Hora de recolhimento, hora de paz, hora
feita para o amor. A escuridão lá fora
é como se houvessem estendido uma colcha negra
sobre Porto Alegre. Nos adentramos já no seio
da madrugada-menina, que a todos irmana, que a todos
iguala...
O lençol verde dos jardins está agora
mais verde, pela chuva que veio, benção
do infinito, fecundando a terra e explodindo na poesia
simples que foi cantar na voz dos riachos e das cascatas...
É madrugada lá fora. Este é o pedaço
mais verde, é o pedaço mais terno da noite,
prenúncio de um novo dia que há de despontar,
daqui a pouco, nos levando para as ruas, para as avenidas,
engrandecendo o dia com o suor do nosso rosto, dignificando
a espécie, na valorização de cada
instante vivido.
É tempo pois, de nos voltarmos para a excelência
de nosso mundo interior e lá avivarmos a cinza
de nossa coragem, de nossa força e, acima de
tudo, de nossa fé para o duro combate de um novo
dia.
A grande verdade é que cada dia que passa é
um desafio. Há que buscar pois, na oficina do
espírito, fé e coragem, amor, para recomeçar.
Sem isto, sem estes ingredientes não teremos
nas mãos a grande poesia da vida. |
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Agiremos
sim, não movidos pela fé que enobrece,
mas pelo instinto que só assinala caminhos.
Sem coragem, seremos sombras tímidas que percorrem
vielas escuras... Sem sentimentos, agiremos sim, mas
movidos pelos nervos, não pelo amor, única
seiva que engrandece e que é capaz de nos projetar
nas raias do tempo, feitos que somos à imagem
e semelhança de um mesmo Deus.
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Inédita 6 |
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Boa-noite,
meu amor!
Eu
já te falei, negra, da grande poesia que se
esconde nos cabelos negros da noite. Te falei da poesia
da lua, a enamorada da solidão, rainha da madrugada-criança,
que desfila garbosa nas sidéreas plagas, enquanto
as estrelas, suas filhas, cravejam de rosas a sua
caminhada.
Eu já te falei, negra, da brisa noturna –
essa menina travessa – que brinca de esconde-esconde
com as flores enamoradas de todos os jardins...
Pois hoje eu quero te falar da chuva, negra, essas
lágrimas benditas que vem das alturas para
fecundar a terra-mãe, para verdejar os campos,
para limpar as ruas, para provocar a grande explosão
da natureza que vai cantar seu canto bravio, lá
adiante, na voz dos rios, dos oceanos, das cascatas...
Eu quero te falar da chuva, negra, síntese
das lágrimas de todos os deuses, suor das estrelas,
bálsamos para os campos, os vales, as montanhas,
cujo dorso ardeu o dia inteiro sob o chicote de fogo
do Astro-Rei...
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Olha
a chuva da tua janela, negra! Olha! E deixa, amor,
que a chuva siga cantando para ti a sua enternecida
canção de ninar. Que o espírito
da chuva, que reverdece os campos e a tudo dá
mais vida – que esse espírito entre pela
tua carne, pelos teus sentidos e, tu e a chuva, irmanadas,
cantarão dentro da noite UMA DOCE E TERNA CANÇÃO
DE AMOR!...
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Inédita
7 |
Boa-noite,
meu amor!
A
noite é uma âncora de cera que desce lentamente
no lago das distâncias e de lá se derrama
em gotas de sereno nesta noite que é fria como
a mão de um morto, quieta como o silêncio
que me sucederá, serena e plácida como
os olhos da minha amada.
Cada minuto que passa vem carregado de frio e silêncio.
O vento parou de ventar, gelado também. As estrelas-meninas
vieram dormir no seio das rosas e flores silvestres
estão tremendo de frio e de inveja. Nas campinas
um lençol branco começas a estender-se,
formando um vasto espelho para a vaidade da lua.
E os homens? Os homens andam por aí, amando e
odiando, sorrindo e chorando, caindo e se levantando,
enfim, vivendo a vida e pagando caro por vivê-la.
Os culpados são eles mesmos: ao longo de mil
e novecentos anos aprenderam muito, mas não o
suficiente: ainda não aprenderam a lição
primária – a que ensina a ser feliz.
Mas, longamente fermentada, começa a explodir
no coração da humanidade uma ânsia
incontida de mudar, mudar rumos, conceitos, vivências,
comportamentos e posicionamentos. |
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O
homem começa a entender que o egoísmo,
o ódio, a maldade e a descrença devem
ceder lugar para os grandes rasgos de bondade, de
fé, de esperança, e a cima de tudo de
Amor – seiva e sumo de todas as belezas, bandeira
real da perpetuação da espécie...
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Inédita
8 |
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Boa-noite,
meu amor!
A
noite arrasta sua correntes de silêncio sobre
o grande palco do mundo. Tudo é harmonia na
noite imensa: os ventos ventam mansamente, desgrenhando
os cabelos da mulher amada. Silêncio carregado
de silêncio na noite grande...
Vozes e ruídos quebram a monotonia do instante
alto: são os trabalhadores anônimos da
noite, amantes da madrugada, companheiros das estrelas,
solitários como todos os solitários.
O seio da lua treme com o apito do guarda noturno.
As estrelas, com seus olhinhos de cristal, morrem
de ciúme dos namorados nas praças, dos
homens da bandeira-dois que andam de um lado para
o outro, dos mendigos que se amam sob as marquises.
Daqui há pouco os galos estarão cantando
seu canto esperantista – igual em todos os lugares
do mundo - saudando os primeiras barras do dia.
A verdade é que se não houvesse o dia
não haveria, também, o grande colorido
poema da madrugada, a madrugada desta noite-criança
que a todos irmana e enlaça numa mesma Esperança,
num mesmo Sonho de Paz, multiplicando ternura como
Deus um dia, no inexplicável mistério
da fé – promoveu a multiplicação
dos pães.
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Boa-noite,
meu amor!
É
noite alta. Hora de recolhimento, hora de paz, hora
feita para o amor. A escuridão lá fora
é como se houvessem estendido uma colcha negra
sobre Porto Alegre. Nos adentramos já no seio
da madrugada-menina, que a todos irmana, que a todos
iguala...
O lençol verde dos jardins está agora
mais verde, pela chuva que veio, benção
do infinito, fecundando a terra e explodindo na poesia
simples que foi cantar na voz dos riachos e das cascatas...
É madrugada lá fora. Este é o pedaço
mais verde, é o pedaço mais terno da noite,
prenúncio de um novo dia que há de despontar,
daqui a pouco, nos levando para as ruas, para as avenidas,
engrandecendo o dia com o suor do nosso rosto, dignificando
a espécie, na valorização de cada
instante vivido.
É tempo pois, de nos voltarmos para a excelência
de nosso mundo interior e lá avivarmos a cinza
de nossa coragem, de nossa força e, acima de
tudo, de nossa fé para o duro combate de um novo
dia.
A grande verdade é que cada dia que passa é
um desafio. |
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Há que buscar pois, na oficina do espírito,
fé e coragem, amor, para recomeçar.
Sem isto, sem estes ingredientes não teremos
nas mãos a grande poesia da vida.
Agiremos sim, não movidos pela fé que
enobrece, mas pelo instinto que só assinala
caminhos. Sem coragem, seremos sombras tímidas
que percorrem vielas escuras... Sem sentimentos, agiremos
sim, mas movidos pelos nervos, não pelo amor,
única seiva que engrandece e que é capaz
de nos projetar nas raias do tempo, feitos que somos
à imagem e semelhança de um mesmo Deus.
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Inédita 10 |
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